A resistência a antibióticos, ou resistência antimicrobiana (RAM), tem vindo a ganhar terreno como uma das maiores ameaças à saúde pública mundial. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2019, esta problemática foi responsável pela morte direta de 1,27 milhões de pessoas, contribuindo ainda para 4,95 milhões de mortes a nível global. As projeções para o futuro são alarmantes: um estudo publicado na revista The Lancet prevê que, até 2050, 1,91 milhões de pessoas possam morrer anualmente devido à RAM, com um total de 39,1 milhões de mortes esperadas entre 2025 e 2050.
O que está por detrás deste aumento acentuado? E, mais importante, será que ainda há tempo para travar esta tendência?
O que leva à resistência aos antibióticos?
A resistência antimicrobiana resulta da capacidade de alguns microrganismos, como as bactérias, resistirem ao efeito dos antibióticos, que normalmente os eliminariam. António Sarmento, diretor do Serviço de Doenças Infecciosas do Centro Hospitalar Universitário de São João (CHUSJ), explica ao Viral que “a resistência das bactérias aos antibióticos sempre existiu”. Segundo o especialista, “mesmo antes de os humanos usarem antibióticos, já se sabia que as bactérias possuíam mecanismos de resistência.”
A diferença é que, com o uso generalizado de antibióticos, as bactérias passaram a sentir-se ameaçadas, “compartilhando genes que as tornam resistentes”. João Perdigão, professor da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, acrescenta que “o uso de antibióticos, inevitavelmente, vai levar à emergência de estirpes resistentes”, salientando que a resistência não é algo que se resolve simplesmente ao deixar de usar estes medicamentos, pois os antibióticos são essenciais em vários contextos clínicos.
Fatores que contribuem para o crescimento da resistência
Os especialistas identificam cinco fatores principais que contribuem para o aumento da resistência aos antibióticos:
- Falta de Novos Antibióticos
Durante décadas, o desenvolvimento de novos antibióticos foi constante, mas hoje o panorama é diferente. “As fontes têm-se vindo a esgotar, e o desenvolvimento de novos antibióticos exige processos de síntese cada vez mais complexos e dispendiosos”, refere João Perdigão. Entre 2013 e 2023, foram aprovados apenas 19 novos antibióticos, sendo que nenhum representa uma classe completamente nova, o que limita o seu impacto no combate às bactérias resistentes. - Más Condições nos Hospitais em Países Pobres
António Sarmento destaca que “os países com mais resistência aos antibióticos são países pobres, onde as condições hospitalares e de higiene são deficientes”. A falta de condições adequadas facilita a propagação de bactérias resistentes entre os doentes, agravando o problema em locais onde os recursos são limitados. - Prescrição Inadequada de Antibióticos
A prescrição excessiva ou inadequada é outro fator determinante, especialmente em contextos hospitalares, onde os antibióticos são usados em maior quantidade. No entanto, António Sarmento sublinha que a decisão de prescrever um antibiótico nem sempre é simples: “Se eu acho que o doente precisa, tenho de ter a certeza de que necessita do medicamento e não posso deixar de lhe prescrever.” - Uso Indevido de Antibióticos
O uso de antibióticos sem receita médica e a interrupção precoce da terapêutica contribuem significativamente para o surgimento de resistências. Como João Perdigão refere, “a toma intermitente favorece a aquisição de resistência”, pelo que é crucial que os doentes completem o tratamento conforme prescrito. - Uso de Antibióticos na Agropecuária
Um dos problemas mais ignorados é a utilização de antibióticos na produção animal. “A quantidade de antibióticos usados na saúde animal e na saúde humana é muito próxima”, explica Perdigão. Este uso frequente de antibióticos em animais destinados à alimentação humana cria pressão seletiva, que pode resultar na emergência de bactérias resistentes, transmissíveis aos seres humanos.
Há solução à vista?
Apesar de o problema ser grave, os especialistas não acreditam que seja impossível de contornar. João Perdigão destaca que “os antibióticos continuam a ser desenvolvidos”, embora o processo seja mais lento. Além disso, novas combinações de medicamentos, como a amoxicilina com ácido clavulânico, estão a surgir para combater as enzimas que conferem resistência.
Paralelamente, estão a ser exploradas novas abordagens terapêuticas, como a terapia fágica, que utiliza vírus específicos para infetar e destruir bactérias. No entanto, António Sarmento alerta que o combate à RAM requer mais do que novos medicamentos: “É fundamental melhorar as condições dos hospitais e promover a formação dos profissionais de saúde.”
A prevenção, através da vacinação e da promoção da literacia em saúde, também desempenha um papel crucial. “Tudo o que puder ser prevenido por vacina, deve ser prevenido”, defende Sarmento, sublinhando a importância de medidas preventivas para reduzir a necessidade de uso, consequentemente, o risco de desenvolver resistência.
O crescimento da resistência é um problema sério e crescente que exige uma resposta multifacetada. A falta de novos medicamentos, as condições inadequadas em hospitais e a prescrição indevida são desafios significativos, mas não intransponíveis. A par do desenvolvimento de novas terapias, é essencial implementar medidas preventivas e educar a população sobre o uso responsável, de forma a mitigar o impacto desta ameaça global.
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