Pode parecer uma afirmação gratuita sem substância, contudo, pelo que me apercebi ao longo da vida, é um sentimento generalizado de quem não sabe ler e que anseia por aprender. Ouvi muitas vezes pessoas analfabetas, nas letras, dizerem que o maior desgosto que sentiam era nunca terem frequentado a escola para saberem ler e escrever, diziam que “quem não sabe ler é como quem não vê”, “não consigo encontrar uma morada sem ir perguntando”, “não sei o que dizem os jornais ou um livro”, “não sei ler nem escrever uma carta”. Creio que será esta a dor maior de um analfabeto. Tentemos imaginar o sofrimento das mães que tinham os seus filhos na guerra ou dos namorados/as que tinham que dar a ler e escrever as missivas próprias de namorados.
Há uns quatro anos, um amigo, mais velho do que eu, pediu-me para lhe ensinar a ler, senti um ‘aperto no estômago’, expliquei-lhe que não conseguiria ensinar-lhe porque não era a minha especialidade. As pessoas que se dedicam a ensinar as primeiras letras a adultos merecem o meu maior respeito e carinho porque abrem um mundo que a vida fechou. É uma tarefa que tem de ser feita com muita sensibilidade, mas com a certeza de que todos os conhecimentos transmitidos serão absorvidos com avidez e alegria.
A frequência de pelo menos o ensino primário é fundamental para as crianças aprenderem a ler, para evitar estar dependentes de outros em coisas básicas de leitura, mas é também fundamental para a socialização como seja aprenderem a interagir com os seus semelhantes.
Quando uma criança não frequenta a escola fica mutilada para sempre de uma necessidade fundamental nas sociedades actuais. É por isso que a ONU, através das suas agências especializadas, dedica uma grande atenção à escolarização das crianças em todo o mundo, assim como da educação e formação de adultos nos países pobres.
Os sociólogos dizem-nos, com toda a razão, que as classes sociais se reproduzem continuamente. Os pobres só podem gerar filhos que serão pobres porque não têm os conhecimentos nem os meios para os guindarem a uma situação mais vantajosa na sociedade. Os ricos geram filhos que serão ricos porque têm os conhecimentos intelectuais e sociais bem como os meios financeiros para proporcionar condições de desenvolvimento intelectual, social e financeira aos seus jovens para que também sejam ricos, perpetuando o estatuto de classe da família.
São poucos aqueles que conseguem subir de classe social, por vezes parece que as classes sociais são estanques sem o serem. O filho de um operário pode ser licenciado, mas continua a ser operário, tal como o seu pai, de quem tem o poder económico. O que muda é o modo de produção e de trabalho.
É-me muito confrangedor ver crianças que não vão para a escola como todas as outras, normalmente por questões económicas de família. Serão reféns da ignorância durante toda a vida.