Cinquenta milhões de euros por ano: é este o valor, médio, que Portugal gasta em operações aéreas no combate aos incêndios. E só em 2023 é que o país terá o primeiro avião próprio para apagar fogos rurais. Acontece que os bombeiros criticam a opção e a escolha.
Desde 2019 que Portugal discute a aquisição de meios aéreos próprios. O ano passado, o Conselho de Ministros aprovou uma resolução para a compra de 12 helicópteros e 2 aviões bombardeiros anfíbios pesados.
A escolha recaiu sobre o Canadair Cl 415, com capacidade para cinco mil litros de água, adiantou ao Expresso fonte da aeronáutica civil. “Cada aparelho destes custa €30 milhões de euros”, revela um oficial da Força Aérea, a quem cabe a aquisição. Estes dois aviões, com capacidade total para 10 mil litros de água, “precisam de 1100 metros para descolar, com barragens e rios com obstáculos e no mínimo da capacidade, o que dificulta a operação”, acrescenta este piloto aviador.
A alternativa são os Fire Boss, um modelo produzido pela Air Tractor, “anfíbio, mas que pode ser abastecido em terra com 3 mil litros de água e que precisa apenas de 300 metros para descolar”, explica o aviador. Comprado novo, explica o militar, “é uma aeronave que custa 3 milhões de euros”.
Na prática “o dinheiro de um só Canadair dá para comprar 10 Fire Boss, que permitem um ataque em carrossel, manobra em que várias aeronaves efetuam descargas sucessivas, com 30 mil litros de água”. Este avião tem outra vantagem: “um Canadair precisa de dois pilotos e um Fire Boss apenas um”, esclarece este oficial.
João Marques, presidente da Associação Portuguesa de Bombeiros Voluntários, também aponta críticas ao modelo escolhido. “O Canadair precisa de 20 minutos para descolar, a cadência entre descargas é maior e tem menor desempenho”. E faz a comparação: “O Fire Boss é mais adaptável à orografia portuguesa, permite outras manobras de aproximação e descola mais rápido.” O militar da Força Aérea corrobora. “É um avião que está certificado para operar em pistas de serra, como as que temos no país, em locais como Oliveira de Frades, Gois, ou Pias Longas, onde se desenrolou o fogo de Ourém e Leiria.” Com a operação baseada nesta pista, “seria possível descarregar, com um único aparelho, 50 mil litros de água na frente de fogo, numa hora de trabalho”, pormenoriza o aviador. O presidente da Associação Portuguesa de Bombeiros Voluntários destaca ainda que “não basta ter 2 Canadair, é preciso ter um aparelho de reserva, para as avarias”.
Mas Portugal apenas vai comprar dois, quando “podia reforçar a primeira intervenção, com maior número de parelhas de aviões, colocados mais perto dos locais de risco”, destaca João Marques.
Este modelo vigorou até 2004, quando Portugal passou a executar apenas operações anfíbias com os aviões de combate a incêndios. A fonte da Força Aérea crítica o processo “e quem o geriu, que foi mal aconselhado, ao preferir meios pesados em desfavor da operacionalidade”.
A resolução do Conselho de Ministros que atribuiu à Força Aérea a decisão da compra, escolheu financiar a operação com verbas do Plano de Recuperação e Resiliência e do Mecanismo Europeu de Proteção Civil. No PRR estão inscritos 89 milhões de euros para a aquisição de helicópteros, pelo que será o Mecanismo Europeu a financiar a operação.
Segundo a auditoria do Tribunal de Contas aos gastos com os meios aéreos envolvidos no combate aos fogos, em dois anos Portugal despendeu 76 milhões de euros: 25 milhões em 2018 e 51 em 2019.
Já o Governo, que não prestou esclarecimentos, autorizou a Força Aérea a gastar 155 milhões de euros na aquisição de meios aéreos próprios, incluindo 70 milhões para os aviões anfíbios pesados. O primeiro dos quais deverá chegar em 2024, o segundo em 2026.
O Tribunal aponta ainda várias resoluções do Conselho de Ministros com a despesa com meios aéreos, que apontam para um gasto de 63 milhões este ano e de 38 milhões em 2023.
Enquanto não chegam os meios próprios do Estado, a Força Aérea, que não respondeu às perguntas do Expresso, tem disponíveis 143 milhões de euros para continuar a alugar meios aéreos. Enquanto o país não dispõe de meios aéreos em permanência, tem sido Espanha a socorrer Portugal. Esta semana o país vizinho enviou dois para Portugal.
Já a Força Aérea, que desde 2018 assumiu a gestão dos meios aéreos de combate a incêndios, cedeu dois helicópteros ligeiros para missões de reconhecimento, que voaram 37 horas. Mas não efetuaram qualquer descarga.
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL