“A arquitectura algarvia, resultante de uma harmonização entre o Homem e a terra é interessante exemplo da aculturação nela se esbatendo a clássica distinção entre arte erudita e arte popular, caracteriza-se por perfeita integração paisagística, reduzida e humana escala altimétrica, extrema delicadeza e grande qualidade plástica…”
José Eduardo Horta Correia, in “ O Algarve em Património”, 4º Congresso do Algarve, 1986
“Preservar as características únicas e inconfundíveis de uma região, de uma cidade ou de um lugar, não é uma atitude passadista de quem recusa a modernidade, sucede é que esse passado constitui a base de sustentação da criatividade e da inovação, ao destrui- lo que damos inelutavelmente no vazio espiritual”
António Rosa Mendes, in “Cultura.Sul” Novembro de 2011
José Eduardo Horta Correia, natural de Vila Real de Santo António, professor de História da Arte e Urbanismo, tal como o saudoso historiador António Rosa Mendes, também algarvio e docente universitário, chamaram a atenção para a necessidade de estudar, valorizar e reabilitar o Algarve na sua dimensão cultural e patrimonial.
Um dos aspectos mais interessantes na cultura algarvia é a arquitectura, o que dela subsiste na casa urbana ou do meio rural, as diferentes características e tipologias, consequência de necessidades de adaptação ao clima, aos solos e matérias-primas, às necessidades familiares, sociais e produtivas.
O Algarve contrapõe à “civilização do granito” do norte do País, a “civilização do barro” na visão da geografia humana de Orlando Ribeiro. Praticou- se no sul a construção de casas em taipa e adobe, barro amassado, misturado com areia e matéria vegetal, secado ao sol. Era usado em casas normalmente de um só piso, uma edificação barata, que poderia ser construída por quatro homens em apenas quinze dias, adaptada às amplitudes térmicas, frescas no Verão e amenas no inverno.
Do ponto de vista do desenho há equilíbrio e harmonia, as casas “tradicionais” eram e são atraentes, bem integradas na paisagem. À sua volta nasceram pomares, hortas, vinhas, fornos de lenha, animais de criação e toda a biodiversidade que estamos a perder…
A evolução da arquitectura algarvia poderia ser um sucesso, com investigação aplicada, se apoiada nos estudos de arquitectura e engenharia mediterrânicas. Baseada no uso racional dos recursos e aproveitamento das águas é sabedoria milenar, permitiria a construção e urbanismo orientados para aspectos qualitativos e identitários, uma contemporaneidade personalizada e diferenciada, ambientalmente sustentável.
O Algarve tem sido dirigido, do ponto de vista do seu desenvolvimento, por interesses exteriores à região, que a transformou numa área dependente da monocultura do turismo e influenciada por fenómenos correlacionados. Estará fragilizada também pelo inadequado uso do território e agudização das alterações climáticas.
Ao contrário do que alguns pensam, a avaliação do desenvolvimento não poderá continuar a reger-se por critérios quantitativos e do volume de negócios, mas por critérios ambientais, culturais, de inclusão social e sustentabilidade.
O Algarve é, a nível europeu, um dos mais significativos casos do impacto de uma determinada perspectiva de turismo nas transformações paisagísticas, sociais e culturais, consequência da “descoberta” em meados do século XX de uma das mais belas e preservadas regiões do mundo, privilegiada pela natureza e a sua história.
Não são os mercados que definem as políticas, mas as políticas que devem orientar os mercados.
A cultura é ampla e multifacetada, as paisagens e as casas são conhecimento e património, exprimem modelos culturais, serão decisivas na adaptação às novas formas de habitar nos tempos crescentemente instáveis que já vivemos. O regresso ao equilíbrio com a natureza será possível se reaprendermos a vida em comunidade de objectivos.
É necessário redescobrir a cultura que nos construiu durante séculos.
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de fevereiro)