A Constituição define Portugal como uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária e como Estado de direito democrático, baseado na soberania popular.
O conceito de Estado de direito envolve, pelo menos, 3 dimensões: a observância de um processo judicial justo, igualdade de acesso e de tratamento nos tribunais, sujeição de todos os atos dos detentores do poder estadual à lei.
Num processo judicial que durava 20 anos, em que o Estado era parte como credor por dívidas de impostos, foi feita uma tentativa para lhe pôr fim por acordo. O MP, a quem foi pedida a definição da posição do Estado quanto ao acordo a que se tinha chegado, alheou-se do assunto. Contatada diversas vezes, no sentido de obter a posição do Estado, a magistrada do MP que representava o Estado no processo dizia, invariavelmente, que o assunto tinha sido colocado aos superiores hierárquicos e que o advogado que a contatava seria informado, logo que fosse por ela recebida alguma resposta.
Foi requerido ao tribunal a convocação duma assembleia geral de credores, para aprovação e homologação do acordo a que a maioria dos credores tinha chegado e, para espanto do advogado que liderara as negociações, e contatara o MP, o Estado votou contra. Foi exigido que as razões desse voto fossem fornecidas, e a informação dada foi a de que, consultada a Administração Fiscal, esta terá emitido parecer no sentido de que o acordo previa a redução de créditos tributários, o que não é permitido face ao princípio da indisponibilidade desses créditos. Isto significa que, perante um conflito de interesses, por um lado o direito à justiça em prazo razoável e, por outro, um direito a receber cerca de 200 mil euros, o Estado português deu prevalência ao último. A posição do Estado parecia tanto mais ilógica porque: 1º, o Estado acabara de ser condenado a pagar cerca de 1 milhão de euros a 217 credores, por atraso na administração da justiça, e nova queixa poderia ser apresentada pelos restantes 500 que não foram incluídos nessa. Por outro lado, o Estado, segundo o acordo negociado, receberia parte da dívida como, aliás, todos os credores. Sem acordo, se o processo seguisse os termos normais, o Estado não receberia nada, assim como todos os credores comuns. O que se veio a verificar.
Uma associação representativa dos credores enviou uma petição a todas as entidades com possível interesse na questão da errada hierarquização dos valores em causa: o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República, Primeiro Ministro, Ministro de Estado e das Finanças, Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Ministra da Justiça, Procuradora-Geral da República e Provedor de Justiça. Só responderam 2: o Presidente da Assembleia da República e o Provedor de Justiça. A Associação pôs ações contra todos os que não responderam, por violação do direito ao respeito devido a todos os cidadãos, e porque o direito de petição, previsto na Constituição, é regulado por uma lei ordinária que dispõe que todas as entidades a quem sejam enviadas petição têm a obrigação de as receber, analisar e dar resposta.
O tribunal competente para a ação contra o Presidente da República é o STA. Na contestação, o Sr Presidente defendeu-se argumentando que “tratando-se de um direito político (o direito de petição), dirigido ao exercício de poderes políticos, não parece que o seu exercício seja judicialmente sindicável, sob pena de violação do princípio da separação de poderes”.
Em resposta a essa contestação, foi argumentado que: a função política visa a definição e prossecução do interesse geral da coletividade e na correspondente escolha das opções destinadas à melhoria, preservação e desenvolvimento do modelo económico e social escolhido, por forma a que os cidadãos se possam sentir seguros e possam alcançar os bens materiais e espirituais que o mesmo é suscetível de lhes proporcionar; a função administrativa traduz-se na materialização dessas opções, tal como a função legislativa; a resposta às petições previstas o artigo 52º da Constituição, impostas pelo art. 8º da Lei 43/90, de 10 de Agosto, é uma atividade administrativa; defender que o princípio da separação de poderes impede a sindicabilidade, pelo poder judicial, dos atos praticados no exercício da função política é, salvo o devido respeito, um disparate; a ser assim, também não seriam judicialmente sindicáveis os atos praticados no exercício dos poderes administrativo e legislativo; o que não é, manifestamente, o caso; aliás, a Constituição não consagra o princípio da separação de poderes – o artigo 111º afirma que os órgãos de soberania devem observar a separação e interdependência estabelecidas na Constituição.
Adivinham o que decidiu o STA? Deu razão a sua Excelência o Senhor Presidente daa República. Portugal é um Estado de Direito Democrático? Parece que não, se há poderes acima da lei. Porque a única opção deixada pelo art. 8º da Lei 43/90 é cumprir o que lá está ou não. Quem se sentir acima da lei não cumpre. Foi o que sucedeu e o ST Administrativo aceitou.
SANTO IVO
Nasceu em Bretanha, região administrativa do oeste da França, em 1253.
Ivo recebeu uma ótima formação, formando-se em Filosofia, Teologia, Direito Eclesiástico e Civil. Um santo advogado, juiz e sacerdote.
Faleceu com apenas 49 anos, mas deixou um testemunho muito forte, reconhecido como o “advogado dos pobres”, empenhado na busca da verdade, da misericórdia, da justiça e do amor. Foi canonizado em 1347 pelo Papa Clemente VI.
O santo Ivo diz à família forense e a todos, em geral, que viver o amor e a justiça é possível.