Manuel Guerreiro Ramirez, proprietário da conserveira Ramirez, com sede em Lavra, Matosinhos, morreu esta terça-feira aos 80 anos, disse à agência Lusa fonte oficial da empresa.
O funeral está marcado para as 15:00 de quarta-feira, na Igreja de Nossa Senhora da Boavista – Foco, no Porto. O empresário adaptou aos tempos modernos a Ramirez & Cia (Filhos), a primeira conserveira em Portugal, fundada pelo bisavô em 1853, e introduziu mundialmente as latas com argola de abertura fácil.
Nascido a 1 de setembro de 1941 em Vila Real de Santo António, Manuel Guerreiro Ramirez tomou desde muito cedo contacto com a fábrica da família, ali localizada, e aos 15 anos já conhecia os cantos às várias unidades produtivas da empresa.
Numa entrevista recente à agência Lusa, disse recordar, desses tempos, “o ambiente e cada pormenor vivido, desde o denominado ‘bosque’ (atuns de 200 quilogramas pendurados no teto da fábrica e que faziam lembrar árvores), aos misteriosos livros dos mestres conserveiros, passando pelas latas de dez quilogramas”.
O que confessava, contudo, relembrar com mais saudade era o “doce e desaparecido aroma a atum cozido, que invadia as narinas de todos em Vila Real de Santo António”, não só na fábrica, mas nas várias ruas da vila.
Bisneto do fundador da Ramirez, Manuel Ramirez operacionalizou em 2015, com os filhos, a nova unidade industrial da empresa em Matosinhos – a Ramirez 1853 – localidade para onde o seu pai Emílio, neto do fundador, tinha na década de 40 deslocado a principal fábrica da família, já que o peixe era ali abundante.
Quando era ainda um adolescente, rumou a Hamburgo, onde frequentou um curso comercial e trabalhou numa fábrica que produzia e comercializava conservas de arenques e onde diz ter feito “de tudo um pouco”.
Esteve também mais de um ano em Inglaterra, a trabalhar na área comercial de um ‘broker’ da City de Londres, seguindo depois para Paris, onde cursou Engenharia Alimentar, com especialização em conservas.
Em 1962, regressado do estrangeiro, assumiu a gestão da unidade de Vila Real de Santo António, iniciando então um percurso de coordenação que se estende a toda a empresa, após a morte do pai.
Como dominava outros idiomas e possuía contactos privilegiados no estrangeiro, Manuel Guerreiro Ramirez coordenava o esforço de exportação de muitas dezenas de fábricas existentes então em todo o Algarve.
Líder nas conservas e em várias associações
No domínio associativo, foi durante 12 anos presidente da Associação Nacional dos Industriais de Conservas de Peixe (ANICP), em representação da qual defendeu, com sucesso, a venda direta do peixe às fábricas.
Foi também membro (e presidente, durante um ano), da Associação Europeia dos Processadores de Pescado (AIPCEE), tendo sido nessa qualidade que, fazendo uso de toda a sua diplomacia, conseguiu unir a família europeia das conservas nos grupos de trabalho Atum e Sardinhas e fazer promulgar pela Comunidade Europeia a denominação de origem da ‘sardina pilchardus walbaum’ (pescada nas águas portuguesas e usada nas conservas ‘made in Portugal’), em detrimento de outras espécies da América do Sul, como a ‘sardinops sagax’.
Manuel Ramirez exerceu ainda o cargo de diretor da Confederação da Indústria Portuguesa (CIP), no seio da qual desenvolveu o Código de Boas Práticas Comerciais, e foi diretor da Associação Comercial de Lisboa.
Durante várias décadas, e à semelhança do pai, foi também cônsul da Finlândia, responsabilidade que, entretanto, transmitiu ao filho Manuel Teixeira Marques Ramirez. O consulado continua, hoje, a funcionar numa sala protocolada para o efeito na fábrica da empresa.
Dono da inovação
Para além de assegurar a administração da Ramirez & Cia (Filhos), SA, Manuel Guerreiro Ramirez foi responsável pela introdução na empresa dos atuais métodos, técnicas e materiais de produção.
Exemplo disso é a criação de um laboratório próprio de controlo de qualidade e a introdução de redes de frio e congelação, que, há mais de 40 anos, revolucionou as relações laborais no setor, ao permitir emprego a tempo inteiro.
Manuel Guerreiro Ramirez foi também o responsável pelo desenvolvimento e introdução mundial das latas de conservas de peixe tal como hoje são conhecidas – com argola de abertura fácil e sem necessidade de chave –, tendo dedicado três anos de trabalho a este projeto, até encontrar o ponto de equilíbrio da incisão da tampa que favorecesse uma abertura fácil, mas sem comprometer a segurança da lata.
A obra da vida de Ramirez
Em 2015, o empresário inaugurou aquela que é apresentada como ‘a obra da sua vida”’ – a fábrica “Ramirez 1853”, em Lavra, Matosinhos – que foi a primeira unidade nova da empresa em mais de 70 anos e é considerada, por auditores internacionais, como uma das fábricas mais “verdes” e funcionais do mundo no setor agroalimentar.
Numa herança do tempo em que o trabalho era sazonal (o que aconteceu até meados de 1970) e os colaboradores iam trabalhar quando ouviam o apito da fábrica e se tivessem a quem confiar os filhos, Manuel Guerreiro Ramirez faz questão de manter e financiar uma creche nas instalações da empresa para os filhos dos seus colaboradores.
Segundo recordou à Lusa, foi ali que, quer ele, quer também os seus filhos, aprenderam as primeiras letras e foi também por ali que passaram muitos dos atuais colaboradores da empresa.