O excesso de peso e obesidade definem-se como uma acumulação anormal ou excessiva da gordura corporal que pode prejudicar a saúde. Para se avaliar os eventuais riscos, recorre-se ao índice de massa corporal que é a relação entre o peso e a altura de cada um de nós. Além do fator saúde, que é determinante, falar de peso a mais é agitar a dimensão estética, que tem um peso dominante na nossa cultura e é um critério de beleza.
Neste despretensioso texto procura-se exclusivamente dissecar a linguagem acerca do excesso de peso e da obesidade: fala-se de epidemia, e propõe-se imediatamente o reverso, os benefícios de uma alimentação equilibrada e a atividade física. Não se iludem os efeitos para a saúde do peso a mais, mas há um dado cultural que não pode ser iludido: os gordinhos sentem na carne que existe um entrave ao seu sucesso social e profissional, pois usa-se uma linguagem que insidiosamente as estigmatiza e as discrimina. Os preconceitos saltam à vista: ser gordo, para muitos, é sinal de preguiça, de estupidez, pura negligência, falta de controlo, é uma fealdade e talvez mesmo uma fraqueza de caráter. E não vale a pena enganar-nos, os gordinhos conhecem discriminação no trabalho, no ambiente escolar, no círculo familiar e nas relações sociais, há uma construção histórico-socioeconómica e cultural que os põe permanentemente sob mira; no recreio, a “baleia” ou o “saco de batatas” ficam para trás, quanto muito guardam a baliza. E não é necessário conhecer-se a literatura universal para se saber como é apresentado o gordinho, tal como o magricela e macilento, nos antípodas, fazem parte do anedotário. Em certos países, as pessoas com obesidade não são bem queridas pelas seguradoras, e já não falamos da sua vida nos transportes públicos e na procura de vestuário adequado.
A norma que avulta nos media é a esbelteza, é a construção social de preferência, basta vermos as séries televisivas e a escolha de gordinhas para papéis negativos. E os articulistas que se pronunciam sobre saúde ali estão para dramatizar a epidemia galopante, os números alarmantes, os fardos destes obesos para os sistemas de saúde e da Segurança Social, quase ao mesmo nível dos toxicodependentes e dos alcoólicos. E depois temos um mercado de combate à obesidade, é recorrente um pouco antes do verão propor regimes de emagrecimento para ficar bem dentro do fato-de-banho, para não haver risota na praia ou na piscina, os jornais, as revistas, a rádio e a televisão enchem-se de propostas sedutoras para perder peso bem e depressa.
É mais do que desejável que em termos de saúde pública a prevenção da obesidade continue a ser uma prioridade, sempre anunciada a problemas de saúde que lhes estão associados (caso da hipertensão, da diabetes ou dos riscos cardiovasculares. Mas não chega chamar a atenção para os comportamentos de risco, esquecendo a multiplicidade de fatores que podem influenciar a nossa corpulência e sobre os quais nem sempre é possível agir individualmente.
Qualquer endocrinologista poderá dizer que há uma percentagem de fatores hereditários a considerar. Então, o que mudar na comunicação em Saúde para não enfileirar em linguagem de tribunal ou de reprovação pública? Fazer o que já se faz na prevenção tabágica e nas campanhas que apelam à moderação do álcool: dizer o que se ganha em não se fumar ou ingerir álcool moderadamente. Os comportamentos individuais alteram-se com condições de vida e de higiene favoráveis. O objetivo da prevenção e promoção da Saúde deve equacionar a gestão do risco com uma atuação sobre fatores exteriores ao indivíduo.
Falar em epidemia é apresentar o obeso como um doente potencialmente contagioso. E educar em Saúde é oferecer uma visão mais global das causas da obesidade e da corpulência, atraindo uma maior compreensão da problemática. Tudo se saldará em mais solidariedade e tolerância. Hoje, em ambiente escolar, uma criança diabética é perfeitamente respeitada como é igualmente uma criança portadora de deficiência. A cidadania é fundamental para alertar sem discriminar.