Quase com 70 anos, continuo com sérias dúvidas se o livro mais popular de Antoine de Saint-Exupéry é um livro destinado às crianças. É certo que ele nos confunde na dedicatória ao seu amigo o escritor Léon Werth: “Os meninos que me perdoem por dedicar este livro a uma pessoa grande. Mas tenho uma desculpa de peso: essa pessoa grande é o melhor amigo que eu tenho no mundo inteiro. E tenho outra desculpa: essa pessoa grande é capaz de perceber tudo, mesmo os livros para crianças. E tenho outra desculpa, a terceira: essa pessoa mora em França e em França passa fome e passa frio. Bem precisa de ser consolada. Mas se todas estas desculpas não chegarem, então, gostava de dedicar este livro à criança que essa pessoa grande já foi. Porque todas as pessoas grandes já foram crianças”. Para mim, está aqui a chave da narrativa maravilhosa em que se recorda que há uma boa diferença entre olhar e ver, que aquele principezinho é o elo mais sólido que estabelecemos entre a candura que já tivemos, a curiosidade que nunca devemos perder e a simplicidade que nos deve nortear toda a vida. O principezinho vinha de um planeta que era pouco maior do que uma casa, o asteróide B 612, no planeta do principezinho havia ervas boas e ervas daninhas, ele gostava muito dos pores do sol, das flores. Fugiu do seu planeta, aproveitou uma migração de pássaros selvagens, deixou esse planeta do tamanho de uma casa todo arrumadinho, visitou asteróides onde curiosamente foi encontrando um pouco da humanidade: o gosto pelo poder e a solidão dos poderosos; gente vaidosa; homens de negócios que nada mais sabem do que de negócios; um bêbado; até um geógrafo. E chegou à Terra, que tem muito para dizer e onde há muito para fazer, um verdadeiro assombro: “Tem 111 reis, 7 mil geógrafos, 900 mil homens de negócios, 7 milhões e meio de bêbados, 311 milhões de vaidosos. Para ficarem com uma ideia das dimensões da Terra dir-vos-ei que, antes da invenção da electricidade, devia haver, no conjunto dos seis continentes, um autêntico exército de 462 511 acendedores de candeeiros. Vistos de longe, faziam um efeito magnífico. Os seus movimentos eram tão certinhos e tão regulados como os de um bailado. Primeiro, era a vez dos acendedores de candeeiros da Nova Zelândia e da Austrália. Depois de acenderem os candeeiros iam-se deitar. E era a vez de entrarem na dança os acendedores de candeeiros da China e da Sibéria. Depois, também eles se eclipsavam para os bastidores. E então era a vez dos acendedores da Rússia e das Índias”. O encontro entre o autor e o principezinho, é bom não esquecer, ocorre quando o autor teve uma avaria em pleno deserto do Sahara. Mas o principezinho irá caminhar e encontrar rochas e neves, estradas que vão dar aos homens, e deslumbrar-se-á com flores. Tem poderes supremos, conversa com animais, caso da raposa. É filósofo, dirá coisas como “o essencial é invisível para os olhos”, adora ter amigos, a flor que deixou no seu pequeno planeta é a sua preocupação maior. E desaparece da vida do aviador. E nada vai ficar como antes, em concreto fica-nos uma mensagem de amor ao planeta e aos homens, este relato é um hino à fantasia, aprendemos que é possível ultrapassar os limites do espaço onde nascemos, e aprendemos a ver e a ter o gosto por viajar, até por asteróides.
O Principezinho tem dado origem a inúmeros estudos e inúmeras formas de divulgação, sobretudo para as crianças. “O Principezinho, Livro com ímanes”, O Arco de Diana, A Esfera de Livros, 2014, traz-nos uma adaptação espantosa, com cenários magnéticos e ímanes com ilustrações para aplicar nas páginas, é um primor. Os meninos ficam a saber que antes do principezinho fazer uma longa viagem varreu o seu planeta e despediu-se saudosamente da sua querida flor. E ela respondeu-lhe: “Tenta ser feliz”. Foi logo à viagem e ganhou muitos amigos. No meio de um deserto encontrou de repente um jardim maravilhoso cheio de rosas em flor. E fica-nos o último recado para a nossa educação ambiental, cívica e afectiva: “Nenhum jardim de rosas do mundo conseguia substituir a sua flor única. O principezinho ficou cheio de vontade e fez-se a caminho de casa. De volta ao seu planeta, ele tratou carinhosamente da sua flor, limpou os vulcões e falava com a pequena ovelha que trouxera. E sempre que ficava com saudades de viajar ele observava o céu estrelado. Então pensava nos muitos amigos novos que ganhara na sua viagem. E ficava feliz, porque sabia que naquele momento estavam a fazer exactamente o mesmo”. Este principezinho é um achado, é uma linda edição que merece os nossos cuidados… para dar alegrias aos mais pequenos.