Conhece aquela da raposa e das uvas? Bem… não é uma anedota, mas uma fábula. Bem… de certo modo, as fábulas são anedotas – ou, em linguagem modernaça, estórias. O original desta fábula é atribuído a Esopo (620 a.C. – 564 a.C.), um escritor da Grécia Antiga, autor de várias fábulas populares. Esta é a estória de uma raposa que tenta insistentemente comer um cacho de uvas penduradas de uma parreira alta, mas sem conseguir; acaba por desistir, dizendo que as uvas estariam verdes. Quando já se tinha afastado um pouco, ouve o barulho de algo a cair no chão: volta atrás, pensando ser alguma uva, mas, catano!, o que tinha caído era uma folha.
Como aconteceu com outras fábulas, ao longo da História vários escritores recriaram A raposa e as uvas. É célebre a do poeta e fabulista francês La Fontaine (1621-1695):
Certa raposa matreira,
que andava à toa e faminta,
ao passar por uma quinta,
viu no alto da parreira
um cacho de uvas maduras,
sumarentas e vermelhas.
Ah, se as pudesse tragar!
Mas lá naquelas alturas
não as podia alcançar.
Então falou despeitada:
— Estão verdes essas uvas.
Verdes não servem pra nada!
As fábulas têm uma lição/moral. A desta pode ser traduzida pelo provérbio português “quem desdenha quer comprar”.
***
Há quem utilize o humor para estudos de natureza diversa. No seu livro Estar vivo aleija, Ricardo Araújo Pereira apresenta notas para, entre outros, um estudo sobre a influência do telefone no amor, concluindo que o modo como os amantes se relacionam com o telefone define a relação:
No início, como é sabido, eles dizem:
– Desliga tu.
– Não, não consigo, desliga tu.
– Ah, não. Desliga tu.
Ao fim de vinte anos de casamento, eles dizem:
– Não há luz na cozinha, liga ao eletricista.
– Porquê eu? Liga tu!
– Eu já faço tudo, liga tu!
– Ah, não. Liga tu!
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Isso de extrair do humor lições de moral tornou-se coisa tão séria que dá origem a livros, daqueles livros à séria. A título de exemplo, é o caso de A vida é uma Anedota, dos The Javna Brothers, dois irmãos humoristas (John e Gordon Javna). Uma “combinação de anedotas e de desenvolvimento pessoal”: como o subtítulo 100 lições de vida (com moral da história) deixa adivinhar, os dois irmãos propõem 100 anedotas, “cada uma delas indicada para um conjunto de situações específico: Podemos confiar verdadeiramente nos amigos? E na nossa memória? Até onde devem ir as nossas expectativas em relação ao emprego?” (da apresentação do livro).
A estrutura de cada capítulo é esta: uma breve citação-síntese; a anedota; uma “Lição de vida”; e “Para lá da moral da história” (conselhos, regras… a propósito). Rapino o capítulo 95, escolhido ao acaso (poderá não ser o mais interessante):
A anedota:
A madre superiora de um convento trabalhava à secretária num dia de canícula, em agosto. O ar condicionado do escritório estava avariado, e ela sentia-se muito desconfortável com o hábito vestido, de maneira que resolveu tirar a roupa e trabalhar nua. Era arriscado, mas quem é que iria saber? Poucos minutos depois bateram à porta e uma das freiras anunciou: “Madre Superiora, está aqui um homem cego que precisa de ajuda.”
A freira entrou em pânico … Mas de repente lembrou-se: ah é cego não vê que estou nua. Por isso, abriu a porta e disse: “Entre. Bons olhos o vejam.”
O homem olhou para ela e respondeu: “Bons olhos a vejam também. Eu estava cego e não conseguia ver, mas de repente passou-me.”
Lição de vida
A maioria das situações embaraçosas não é assim tão extrema. Mas quando somos nós que passamos pela vergonha, é possível sentirmo-nos tão nus como a madre superiora. Infelizmente, não há maneira de voltar atrás quando se mete a pata na poça, mas se lidar com o assunto no momento, talvez consiga minimizar o impacto. O mesmo é válido para quem estiver na posição do “homem cego”. Se agir depressa (e com generosidade), pode facilitar a vida à pessoa que fica encavada. Vão agradecer-lhe, e você vai sentir-se bem por ter ajudado. Seja lá como for, lidar bem com uma situação embaraçosa é bom para a autoestima de todos.
De Para lá da moral da história, apenas a enumeração dos conselhos para sobreviver a situações embaraçosas (como “deixar escapar um pum no meio de uma multidão”): mantenha a calma; brinque com a situação; peça desculpa; mude de assunto.
Só a anedota nº 100 (E por fim) não tem lição de vida. Ou antes, a moral do humor é: “Há certas histórias que simplesmente não têm moral”.
A nº 55 tem. É uma história do grupo clássico Um homem morre…
Um homem morre e vai para o Inferno. É recebido por Satanás, que lhe explica que lhe vai mostrar três salas. “Tens de escolher em qual das salas é que vais passar a eternidade”, diz Satanás.
Na primeira sala, as pessoas estão enterradas até ao pescoço em m***a. O homem fica horrorizado e diz: “Nem pensar, deixa-me ver a sala a seguir.”
Na segunda sala, as pessoas estão enterradas em m***a até ao nariz. O homem volta a ficar horrorizado, e diz não.
Satanás abre então a porta para a terceira sala, onde as pessoas estão até aos joelhos em m***a, a beber café e a comer donuts. O homem diz imediatamente: “Fico nesta.”
Satanás diz que sim e vira costas, o homem entra na sala e serve-se de café. É então que Satanás se vira e grita: “Muito bem, a pausa para o café acabou. Toda a gente outra vez a fazer o pino!”
Faça o leitor o favor de tirar a (sua) lição de moral! Se achar que vale a pena.
[Este texto será também publicado em http://omeubau.net/a moral-do-humor]