Afinal, quem pode receber subsídio por deficiência? Os especialistas reclamam clarificação e a Coordenadora de Observatório da Deficiência defende que Segurança Social elabore um guia que explique os critérios de acesso a bonificação por deficiência
Os médicos de família que pediram ao ministro da Segurança Social, Vieira da Silva, uma “definição clara e urgente” do âmbito de aplicação da bonificação por deficiência a crianças e jovens – que está a causar grande polémica depois de se saber que há menores que recebem este subsídio só porque usam óculos – continuam a exigir uma clarificação de conceitos e dos critérios de acesso, avança a Ordem dos Advogados, hoje no seu site.
Querem saber como agir face aos crescentes pedidos dos pais que reclamam este benefício.
Há crianças e jovens com idade inferior a 24 anos que estão a receber entre 62 a 121 euros por mês da Segurança Social por usarem óculos e há pais de menores com problemas de saúde igualmente “comuns”, como asma, complicações dermatológicas, psicológicas e dentárias, que estão a requerer esta bonificação.
Insatisfeito com a resposta do gabinete do ministro – que atribui aos clínicos a “total responsabilidade” por atestar a deficiência – o grupo de meia centena de médicos de família considera que a resposta do ministério “não responde a nada” e defende que é necessária “uma avaliação pericial” do género “da que existe para outros benefícios sociais (por exemplo, redução do IRS” ou “priorização na atribuição de casas camarárias”).
Nestas situações, recordam, é requerida uma “quantificação da incapacidade das pessoas, independentemente da patologia que causa a incapacidade”.
Essa quantificação “à partida não deve ser feita pelo médico que cuida do paciente e actualmente apenas os médicos de saúde pública a podem realizar, em junta médica para o efeito e segundo critérios bem definidos”, acrescentam.
“Muito surpreendida” com a atribuição deste subsídio a crianças apenas porque usam óculos sem ser necessária uma avaliação médica rigorosa, a coordenadora do Observatório da Deficiência e Direitos Humanos, Paula Campos Pinto, defende também que é necessário “clarificar conceitos” e mesmo elaborar “um guia que explique os critérios” a levar em conta.
“A criança não consegue ver mesmo usando óculos?”, pergunta, observando que esta prestação social deve ter sido pensada para “deficiências de carácter permanente que não possam ser compensadas com o uso de ajudas técnicas”.
“O entendimento que tinha era o de que o acesso a esses subsídios se fazia com o atestado médico de incapacidade multiuso, que atesta uma determinada percentagem de incapacidade. Não entendo bem como é que crianças que usam óculos conseguem atingir essa capacidade que depois permite [o acesso aos subsídios].”, acrescenta.
Sublinhando que o conceito de deficiência “é fluido, não absoluto”, Paula Campos Pinto considera, porém, que o formulário da Segurança Social é claro, uma vez que questiona se a deficiência tem efeitos no desenvolvimento dos menores e se estes têm necessidade de apoios extraordinários. Mas, face às dúvidas de pais e de médicos, entende ser necessária uma clarificação.
Não defende, porém, que se use o sistema de medição de incapacidades: “Seria uma regressão!”
Acredita ainda que, apesar de a bonificação decorrer de um decreto-lei de 1997, a afluência exagerada incentivará a Segurança Social a repensar as condições de acesso. “Isto é o tipo de coisa que, certamente, o Estado não previu. Uma daquelas brechas que não estão completamente excluídas ou previstas e que levam a um aproveitamento excessivo por parte da população.”
Apoio deve continuar
Responsáveis de organizações que representam deficientes afirmam também que foram “apanhados de surpresa”. “Existirão, com certeza, um sem-número de situações que necessitam de apoios do Estado e acredito que os pais se vejam a braços com realidades complicadas de resolver a nível económico e as tentem solucionar desta forma. No meu entender, poderiam existir apoios dirigidos a este tipo de situações que não estivessem relacionados com a deficiência”, afirma Ana Sezudo, presidente da Associação Portuguesa de Deficientes (APD).
Mais do que avaliar uma eventual justiça na entrega destes subsídios, prefere chamar a atenção para a reivindicação do aumento das ajudas sociais para as pessoas com elevados níveis de dependência e deficiência. “A associação tem defendido um aumento destas prestações.
Ninguém sobrevive com 270 euros por mês
Há dois anos, a pensão social de invalidez não chegava aos 200 euros. Desde então sofreu um ligeiro aumento e passou a abranger muito mais gente, mas o valor continua a ser muito baixo. Ninguém consegue sobreviver com 270 euros por mês”, diz.
A presidente da Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental do Porto (APPACDM), Teresa Guimarães, também ficou surpreendida com as notícias.
“Muitas das crianças que apoiamos recebem esta bonificação por deficiência, o que, para nós, faz todo o sentido, porque são jovens que necessitam de apoios adicionais, quer pedagógico, terapêutico. Claro que entendemos que não se pode comparar uma criança que precisa de óculos para ver televisão ou o quadro na escola com outra que está dependente de uma terceira pessoa para desempenhar tarefas básicas”, afirma.
Apesar de não concordar com a atribuição de um subsídio por “deficiência” a este tipo de casos, Teresa Guimarães não é contra a ajuda estatal às famílias mais carenciadas: “Sabemos que os óculos são muito caros e haverá famílias que acham muito difícil suportar esse custo. Se, por um lado, entendemos que esse apoio é bom, achamos que não deve ser igual para as famílias que têm filhos com grande dependência e necessidades especiais.”
Além dessa diferenciação, alerta para os elevados tempos de espera que algumas famílias têm de suportar pelo atestado médico de incapacidade multiuso, período que pode chegar “aos meses”.
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