A imunidade à covid-19 das pessoas que já estiveram infetadas com o vírus – e, sobretudo, a duração da mesma, continuam a ser questões sem uma resposta definitiva, mas os resultados preliminares de um estudo promovido pela Ordem dos Médicos, em parceria com várias instituições, apresentados esta quarta-feira, dão pistas sobre o assunto. De acordo com o estudo, foi detetada a presença de anticorpos em menos de metade das pessoas que já estiveram infetadas com o vírus, isto é, 48%.
Segundo Álvaro Carvalho, médico de Medicina Interna e presidente da fundação com o seu nome, que integrou o estudo, participaram no mesmo 608 pessoas a quem foi diagnosticada covid-19 durante a primeira vaga da pandemia, sobretudo entre março e abril. Destas, cerca de um quarto foi excluída no primeiro de quatro momentos em que decorreu o estudo – isto é, ao fim de três meses – por não ter sido detetada a presença de anticorpos.
Das 76% que mantiveram alguma imunidade, “algumas foram perdendo ao longo do tempo”, tendo-se concluído, assim, que apenas 225 (48%) apresentavam imunidade ao vírus ao fim de nove, dez meses após a manifestação da doença. Houve pessoas que, ainda assim, chegaram ao final do estudo com mais anticorpos do que tinham nos primeiros três meses após a infeção, chamou, por sua vez, a atenção Helena Canhão, professora da NOVA Medical School – Faculdade de Ciências Médicas, entidade que também participou na elaboração do estudo. “Com mais um ou dois meses, estes indivíduos conseguem continuar a produzir [anticorpos] e aparentemente estão mais protegidos do que no início.”
Outro dado destacado na apresentação dos resultados preliminares tem que ver com as diferenças entre faixas etárias no que diz respeito à imunidade ao vírus. Esta mostrou-se superior nas pessoas com 50 ou mais anos, sobretudo 70 anos, em comparação com a faixa etária dos 30 aos 50 anos. É cedo, contudo, para se tirar conclusões, ressalvou Helena Canhão. “Não sabemos se isso acontece por terem desenvolvido sintomas mais graves da doença ou se ocorre independentemente da gravidade dos sintomas manifestado, estando associado à idade. São aspectos que ainda estamos a tentar perceber.”
Dos participantes no estudo — e esse também foi um dado realçado durante a apresentação desta quarta-feira, durante uma conferência de imprensa realizada através da plataforma Zoom — 19% não manifestaram sintomas da doença, 80% estiveram sintomáticos (ainda que de forma ligeira ou moderada) e apenas 6% chegaram a estar internados, ao desenvolver uma forma grave da doença. Metade eram profissionais de saúde e um terço eram utentes e funcionários de residências para idosos de todo o país.
Houve 103 participantes que não integraram a última análise, sendo intenção dos autores do estudo fazer uma nova colheita em abril, um ano após a doença, e também uma quinta colheita aos que chegaram ao fim do estudo, para ver se se mantém a imunidade.
Ainda sobre a amostra, refira-se que quase metade (44%) tinha mais do que 50 anos, 22% tinham entre os 30 e os 50 anos, percentagem igual à dos participantes com idades entre os 17 e os 30 anos.
Francisco Antunes, infeciologista do Instituto de Saúde Ambiental da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, entidade que também ajudou a desenvolver o estudo, chamou a atenção precisamente para a percentagem de doentes — os tais 25% — que se revelaram sem imunidade ou perderam-na “muito cedo”, três meses depois de o vírus lhes ter sido diagnosticado. Essa percentagem, assinalou, é superior à encontrada em doentes hospitalizados (menos de 10%), o que significa que estes podem ter uma “imunidade mais robusta e mais duradoura”.
Além disso, referiu, os resultados mostram que, ao fim de nove, dez meses, a imunidade conferida pelo vírus nos doentes que desenvolveram formas ligeiras da doença, e que portanto não chegaram a ser hospitalizados, “é menos duradoura” do que a dos restantes. Isso levanta várias questões, sublinhou, até porque “os doentes ligeiros representam 50% das infeções transmitidas na comunidade”. “Esta população pode ter um impacto na evolução da pandemia se ocorrerem novas vagas [e deve ser considerada] no momento de adotar medidas não farmacológicas, como o uso de máscara, distanciamento e lavagem das mãos, e farmacológicas, como as vacinas.”
Notícia exclusiva do nosso parceiro Expresso