Evaristo Carriego, de Jorge Luis Borges, género de ensaio sobre uma figura que frequentou a casa de Borges menino, chegou no dia 11 de janeiro às livrarias, com tradução de José Colaço Barreiros. Uma das primeiras novidades do ano, nesta belíssima edição de bolso pela Quetzal Editores das obras de Borges, que dá continuidade à série de capas retiradas do tríptico «As Tentações de Santo Antão», do pintor Hieronymus Bosch, exposto no Museu Nacional de Arte Antiga (Lisboa).
Jorge Luis Borges resgata Evaristo Carriego, figura que frequentou a casa de seus pais, dos seus tempos de meninice, transformando-o em personagem desta sua biografia publicada em 1932. Mas é também, implicitamente, sobre os subúrbios de Buenos Aires que ele nos escreve, sobre o tango e sobre os bairros pobres da Argentina.
Escreve-nos o autor, logo no Prólogo, que durante anos julgava ter-se criado em Buenos Aires, num “subúrbio de ruas inseguras e de ocasos invisíveis”, apenas para vir a descobrir que se criou num jardim e numa biblioteca resguardados por uma grade. Do outro lado da grade é que estava a verdadeira Buenos Aires, com o bairro Palermo, “da navalha e das violas” (p. 9). O autor defende assim que este seu livro é “menos documental que imaginativo” (p. 10), e concluirá, depois, mais perto do final do livro, que sem mundo não há literatura. Escrever sobre Evaristo Carriego, poeta do bairro de Palermo, é, portanto, escrever sobre a literatura dos bairros pobres da Argentina e o mundo, no que tem de mais belo e na sua fealdade, da poesia à violência, do tango às brigas de faca.
Evaristo Carriego publicou, durante a sua curta vida (faleceu aos 29 anos), um único livro de poemas, Misas herejes (1908), em que praticou vinte e sete tipos de versificação e de que se destacam os poemas «El alma del subúrbio», «El guapo» e «En el barrio». Jorge Luis Borges deixa-nos aqui uma breve análise da poesia mais sofrível do jovem poeta, citando e discorrendo sobre vários versos.
Antes de morrer, Evaristo Carriego deixou ainda preparados os poemas que vieram a integrar a edição póstuma (1913) de La canción del barrio. E é nesses poemas póstumos que Jorge Luis Borges encontra maior fulgor e promessa na breve obra de um poeta precocemente levado.
Evaristo Carriego reúne ainda um conjunto mais ou menos avulso de outros pequenos textos.
Jorge Luis Borges nasceu em Buenos Aires, em 1899. Em 1914 viajou com a família pela Europa, acabando por se instalar em Bruxelas, e posteriormente em Maiorca, Sevilha e Madrid. Regressado a Buenos Aires, em 1921, Borges começou a participar ativamente na vida cultural argentina. Em 1923, publicou o seu primeiro livro – Fervor de Buenos Aires –, mas o reconhecimento internacional só chegou em 1961, com o Prémio Formentor, seguido por inúmeros outros. A par da poesia, Borges escreveu ficção (um dos nomes maiores do conto ou da narrativa breve), crítica e ensaio. Foi professor de literatura e dirigiu a Biblioteca Nacional de Buenos Aires entre 1955 e 1973. Morreu em Genebra, em junho de 1986.
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