“Foi com profunda consternação que nós, médicos de Saúde Pública e signatários desta carta, recebemos a informação do parecer de vossa excelência de dia 24 de março”, pode ler-se no início da missiva subscrita por 149 clínicos, divulgada hoje à agência Lusa.
O grupo de 150 médicos admitiu, nesta carta, acreditar “na boa intenção” do parecer de Maria Lúcia Amaral, mas argumentou que “a sua apreciação veio desencadear um processo que culminou na revogação das medidas determinadas pelas autoridades de Saúde locais e regionais”.
“Já é claro nesta fase que o sistema burocrático de tomada de decisão, e os consequentes tempos de resposta, terá de ser, inevitavelmente, revisto no final desta pandemia”, frisou a missiva, igualmente assinada pelo bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, direção do Colégio da Especialidade de Saúde Pública da Ordem dos Médicos e pela direção da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública.
A carta foi enviada, no domingo, à Provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral, com conhecimento à diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, explicou hoje à agência Lusa o médico Gustavo Martins-Coelho, o segundo signatário da mesma.
“Enviámo-la por correio eletrónico. Como até agora, não recebemos resposta, decidimos enviá-la também hoje ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e à ministra da Saúde, Marta Temido”, acrescentou.
Segundo este médico, da Unidade de Saúde Pública do Alto Tâmega e Barroso, a posição da Provedora “levantou dúvidas” quanto à “legitimidade” de medidas adotadas por autoridades de Saúde locais, perante a covid-19, questionando “concretamente a sua proporcionalidade e necessidade”.
“Enquanto autoridades de Saúde tomamos as nossas decisões com muita ponderação e, de repente, aquilo que o parecer da Provedora de Justiça nos coloca em questão é se, efetivamente, estamos a exercer as nossas funções com essa competência e com essa ponderação. E nós, obviamente, também não podemos estar de acordo com esse questionar daquilo que é a nossa ponderação”, criticou.
Na carta que enviou no dia 24 à diretora-geral da Saúde, com conhecimento ao Presidente da República e ao primeiro-ministro, a Provedora de Justiça considerou desadequado que os portugueses que regressem do estrangeiro sejam obrigados a cumprir um isolamento profilático devido à covid-19, medida imposta pelas autoridades locais de saúde.
Dando como exemplo as diretivas da Autoridade de Saúde Regional do Algarve e a Unidade Local de Saúde do Nordeste “que todos os cidadãos que regressem do estrangeiro permaneçam em isolamento profilático” durante 14 dias, a provedora disse entender que os poderes dessas entidades “só podem ser legitimamente exercidos quando observados os limites que se lhes impõem”.
Na carta agora divulgada, os médicos signatários afirmaram discordar “de forma clara do parecer” e realçaram que “a restrição de capacidade de resposta das autoridades de Saúde locais e regionais coloca em causa o esforço de evitar a propagação da infeção a localidades para onde têm regressado diariamente emigrantes potencialmente expostos” ao novo coronavírus (SARS-CoV-2).
“Todas as nossas ações são fundamentadas em aspetos técnico-científicos na área de Saúde Pública”, asseguraram, questionando: “Quem assume a responsabilidade perante a ocorrência de infeções em indivíduos vulneráveis”, que têm “maior representatividade em localidades do interior, cujo risco aumenta na sequência do regresso de emigrantes que não cumpram as normas de distanciamento social dos seus familiares e que o bom senso impõe”.
“A responsabilidade dessas infeções não será, certamente, das autoridades de saúde que procuraram e continuam a procurar obviar a esse problema, apesar dos múltiplos constrangimentos que enfrentam”, afirmaram.