Morreu Darya Platonova Dugina, filha de Aleksandr Dugin, na sequência da explosão do carro em que seguia. O veículo, um Land Cruiser Prado, explodiu perto da vila de Bolshiye Vyazyomy, distrito de Odintsovsky, na região de Moscovo. De acordo com informações avançadas por jornalistas bielorrussos e por canais no Telegram como “Baza” e “112”, a também filósofa morreu no local.
Darya Platonova Dugina, que se formou em História da Filosofia na Universidade de Moscovo, especializada em neoplatonismo [fusão da teologia com a doutrina filósofica de Platão, segundo a qual a essência filosófica das coisas tem existência por si só, como ideias puras e arquétipos], é filha de Aleksandr Dugin e comentadora política. Nos últimos meses, desde o início da guerra, tal como o pai, a pensadora propagou a narrativa de que, na Europa, se travava uma batalha derradeira entre os valores ocidentais e os não ocidentais, defendendo os últimos.
Darya Dugina acreditava que havia duas visões inconciliáveis do mundo e que os Estados Unidos da América eram os responsáveis por uma “ditadura” ideológica em declínio. Segundo a comentadora, a Europa poderia “perfeitamente” manter-se neutra neste conflito, não fornecendo armas a Kiev. A filha de Dugin chegou ainda a mencionar as últimas presidenciais francesas, sustentando que a vitória de Macron foi a concretização do que as estruturas mundiais mais proeminentes – UE e EUA – pretendiam. A filha de Aleksandr Dugin argumentava que uma nova ordem mundial em que a Eurásia fosse uma grande potência unida deveria nascer com o afastamento total da Rússia em relação aos países ocidentais.
Aleksandr Dugin tinha planeado ir com a filha no mesmo carro, mas, nos últimos instantes, entrou num outro veículo, segundo o violinista Pyotr Lundstrem. Os dois regressavam do festival familiar “Tradição”.
QUEM É DUGIN?
Há mais de 25 anos que Aleksandr Dugin, apelidado de o “cérebro de Putin” ou até de “Rasputin de Putin”, fala sobre uma eterna guerra civilizacional entre a Rússia e o Ocidente e sobre o destino da Rússia de construir um vasto império eurasiático, começando com a “reconquista” da Ucrânia. A guerra que eclodiu a 24 de fevereiro é um marco que a visão do dissidente e “filósofo” político já profetizava.
Não há provas concretas de que o homem de 60 anos mantenha contacto com Vladimir Putin, mas a influência política que Aleksandr Dugin exerce é inegável, tal como a sua proximidade às classes dominantes e à elite russa, sustenta o site “The Bulwark”. O “Financial Times” em Moscovo entrevistou várias vezes esta figura controversa e admite não ter conseguido decifrar o grau de envolvimento de Aleksandr Dugin com Putin. Aleksandr Dugin é um autoproclamado fascista, e é caracterizado, num livro de 2017, sobre a ascensão do nacionalismo russo, como “um ex-dissidente, propagandista, ‘hipster’, poeta, guitarrista, que emergiu da era libertina e boémia de Moscovo pré-perestroika para se tornar um intelectual agitador, um conferencista na academia militar e, finalmente, um agente do Kremlin”.
Dugin, de 60 anos, é frequentemente designado como o “ideólogo de Putin” e como o mentor da invasão da Ucrânia em curso.
O dissidente político faz questão de sublinhar, em vários artigos de opinião, os valores das civilizações baseadas na terra como os do tradicionalismo: “A dureza da terra é culturalmente incorporada na dureza e estabilidade das tradições sociais”. E depois enumerava esses valores: comunidade, fé, serviço e subordinação do indivíduo ao grupo e à autoridade. Eram tradições que se opunham, segundo vincava, aos valores da civilização marítima: mobilidade, comércio, inovação, racionalidade, liberdade política e individualismo. Ou, de uma forma mais simplista: a Eurásia era positiva e o Ocidente negativo.
Segundo o pensador, para a Rússia, só haveria duas hipóteses: império ou fracasso. Aleksandr Dugin acredita que o nacionalismo russo tem um “âmbito global”, associado mais ao “espaço” do que aos laços de sangue. “Fora do império, os russos perdem a sua identidade e desaparecem como nação.” A visão do “guru” nacionalista é de que o destino da Rússia é liderar um império eurasiático que se estende “de Dublin [Irlanda] a Vladivostok [cidade russa junto à fronteira com a China e com a Coreia do Norte]”.
O “guru” insiste que, neste momento, a Rússia não pode contentar-se com nada que não seja o controlo total de toda a Ucrânia, porque “Cristo precisa disso” e porque sair significaria a “morte, tortura e genocídio” de milhões de crentes ortodoxos.
Em julho, o ideólogo voltou a escrever, num apelo à unidade e sentimento nacionalista russos: “A Rússia está entre um passado que já terminou e um futuro que começou, mas ainda não foi materializado.” Deu, assim, as boas-vindas a uma nova era de apogeu russo no mundo, após um corte voluntário – e esta ideia tem para o Kremlin grande importância – com o Ocidente. Num artigo que divulgou nas suas redes sociais, o filósofo, “guru” e pensador russo próximo do poder salientava que 24 de fevereiro de 2022 – o início da guerra na Ucrânia, ao qual chama, como o regime, “OME” [operação militar especial] – aconteceu porque, na aproximação da Rússia aos países ocidentais, por anos a fio, a sua “soberania” não foi respeitada.
“Nós rompemos irrevogavelmente e radicalmente com o Ocidente, mas isto ainda não foi compreendido”, avisou o pensador político que tem apontado, ao longo dos anos, que a Rússia está a afirmar o seu “estatuto de grande potência no mundo”. O grande defensor do imperialismo russo analisou qye a liderança de Putin constituiu uma contínua demarcação no sentido de recuperar soberania, e o momento de viragem, o “período indefinidamente longo da existência da Rússia, isolada do Ocidente e sob sua dura e puramente negativa pressão”.
“Há claramente uma influência na narrativa oficial russa e processo decisório de política externa e interna das ideias e do projeto proposto por Dugin para esta grande Rússia, não só historicamente relevante, mas também impactante em termos internacionais, com um espaço de influência que deve ser respeitado pelos seus pares”, frisou, nessa circunstância, em entrevista ao Expresso, a investigadora Sónia Sénica, que encontra na obra de Dugin “orientações muito claras de política externa”, com, por exemplo, a guerra na Ucrânia a ser “projetada há vários anos”.
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL