Ricardo Gouvêa Pinto, um dos primeiros professores de Direito na Universidade do Algarve, faleceu este domingo em Lisboa, aos 58 anos de idade, vítima de doença prolongada.
A sua morte deixou profundamente chocado o seu colega e amigo Vilhena Mesquita, “porque acreditava na sua resiliência, na sua capacidade de superação, na sua inabalável fé em Deus, para conseguir ultrapassar a doença que tanto sofrimento lhe causou ao longo da vida”.
Publicamos uma síntese biográfica feita por Vilhena Mesquita, professor universitário e historiador:
Rui Ricardo Pestana de Gouvêa Pinto, de seu nome completo, nasceu a 6-12-1962, no Mindelo, Ilha de S. Vicente, em Cabo Verde, e faleceu, no passado domingo, dia 13 de Junho de 2021, aos 58 anos, vítima de doença prolongada.
Fez toda a sua formação académica em Lisboa, onde, aliás, viveu a maior parte da sua vida. Com apenas 17 anos de idade matriculou-se na Universidade Católica, em cuja Faculdade de Direito viria concluir em 1985 a sua formação de jurista, com elevadas notas e elogiosas referências dos seus mais reputados professores.
Desde tenra idade evidenciava uma forte paixão pela leitura das obras clássicas da literatura universal, pela filosofia e pela história, o que lhe granjeou uma sólida cultura geral. Em qualquer assunto que discutia rapidamente superava os seus interlocutores. Tinha mesmo a paciência de explicar os erros de raciocínio dos seus oponentes, carreando para a discussão as mais recentes teses e teorias, mercê das quais se distanciava da vulgaridade, e do senso comum.
Na arte de rebater ideias, era difícil conseguir superar o Ricardo, porque além de ser inteligente, culto, e perspicaz, tinha também o condão de saber reservar para o fim a relativização da verdade, o atomismo da ciência, e a consciência ética. Tivemos grandes conversas sobre a filosofia da história, sobre o pensamento económico moderno, sobre as ideologias políticas que enformavam os nossos partidos políticos, e sobre a doutrina social da Igreja.
Curiosamente, o Ricardo teve o seu primeiro emprego no sector bancário e dele nunca se desligou, a não ser quando se aposentou, há cerca de quatro anos, numa altura em que a doença lhe limitara a mobilidade e a independência.
A imagem que dele ainda sustenho, é a de um jovem alegre e feliz, educado nos preceitos católicos, a que sempre foi fiel, e em cujos princípios doutrinários deu sempre provas de solidário humanismo cristão. E enquanto fomos colegas, convivendo no mesmo gabinete e leccionando no mesmo curso, na Universidade do Algarve, sempre recebi do Ricardo palavras de fraterna estima, conforto e solidariedade, naqueles momentos em que mais precisamos dos amigos.
É bom que fique para a história destes 40 anos da Universidade do Algarve, que o Ricardo Gouvêa Pinto foi Assistente da Faculdade de Economia (classificado em primeiro lugar em concurso público nacional), entre 1987 e 1991, período em que assegurou a lecionação e regência das disciplinas de «Princípios Gerais de Direito» e de «Finanças Públicas». No biénio 1988/90 foi eleito para o Conselho Pedagógico da Universidade. Nessa altura, acumulava a docência com o emprego que mantinha nos quadros superiores de gestão do BPA – Banco Português do Atlântico, em Faro.
Como a família residia em Lisboa, o Ricardo andava cá e lá, numa extenuante vida, repartida entre dois mundos, que acabaria por cindir em desfavor da nossa Universidade. Em 1992 a Caixa Geral de Depósitos ofereceu-lhe um lugar em Lisboa, que ele próprio considerou irrecusável. Isso permitiu-lhe concluir, o Mestrado em Direito (Ciências Jurídico-políticas), na Faculdade de Direito da Universidade (Clássica) de Lisboa, que havia iniciado em 1987, mas só terminou em 1992.
Em face do sucesso evidenciado durante o mestrado, a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, ofereceu-lhe um lugar de Assistente, na secção de ciências jurídico-políticas (primeiro classificado em concurso público nacional), que manteve entre 1992 e 2001.
Como, entretanto, a sua vida profissional e académica embicou para o Direito Comercial e Empresarial, decidiu fazer no ISCTE – Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, mais um Mestrado, desta vez em Ciências Empresariais (Estratégia e Desenvolvimento Empresarial), que decorreu entre 2000 e 2003. Iniciou depois, de 2004 a 2006; o Curso de Doutoramento na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, interrompendo a conclusão da dissertação, por impedimento da doença que o perseguiu até à morte. Apesar das vicissitudes da vida e doença, manteve-se nos quadros docentes, de licenciatura e mestrado, da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa até 2011.
Acresce dizer que o Dr. Ricardo Gouvêa Pinto foi Professor Auxiliar Convidado, entre 1991 e 2010, em diversas instituições do ensino superior privado, nomeadamente no Instituto Superior de Línguas e Administração, Universidade Internacional de Lisboa, Universidade Moderna de Lisboa e Instituto Superior de Gestão.
Foi também Professor Convidado do ISCTE – Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, 2007/2011, nos cursos de mestrado em Direito das Empresas e em Políticas Sociais.
Estava inscrito, como Advogado na Comarca de Lisboa na Ordem dos Advogados, desde 12-6-1987, suspendendo a actividade por razões de saúde.
O Dr. Ricardo Gouvêa Pinto publicou 27 estudos, nas seguintes áreas científicas: Ciências Jurídicas, Análise Económica do Direito, Ciências Económicas e Empresariais, além de Comunicações em Congressos. São todos esses estudos da sua exclusiva autoria. Nunca o Ricardo cometeu o crime de “vampirismo académico”, isto é, nunca se aproveitou da coautoria dos alunos, apensando o seu nome em trabalhos alheios, como é costume acontecer na esmagadora maioria dos investigadores e professores universitários deste país.
Dentre os seus vários trabalhos permitam-me destacar os seguintes:
“O Princípio da Legalidade do Imposto e o Procedimento em Matéria de Assistência Mútua para a Cobrança de Créditos entre os Estados-membros da Comunidade Europeia”, Revista Temas de Integração, nº 18, 2004-2, Almedina, Coimbra, pp. 109-139.
“União Europeia, Referendo e Deslegitimação ou a Renúncia a Antígona. Em torno do Acórdão nº 704/2004 do Tribunal Constitucional”, Revista Temas de Integração, nº 19, 2005-1, Almedina, Coimbra, pp. 79-141.
“Divórcio e Sigilo Bancário”, in AAVV, «Estudos Comemorativos dos 10 Anos da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa», Volume II, FDUNL / Almedina, Coimbra, 2008, pp. 449-477.
“A Circulação do Cheque e o Sigilo Bancário”, in AAVV, «Estudos em Honra ao Professor Doutor José de Oliveira Ascensão», Volume II, FDUL / Almedina, Coimbra, 2008, pp. 1159-1192.
“Os Princípios Jurídicos: breve reflexão sobre o seu sentido e a sua natureza”, in AAVV, «Liberdade e Compromisso – Estudos Dedicados ao Prof. Mário Pinto», vol. II, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2009, pp. 379-411.
“Incerteza e Decisão de Litigância – aproximação e tentativa sobre a teoria das opções reais”, in AAVV, «Estudos Jurídicos e Económicos em Homenagem ao Prof. Doutor Sousa Franco», Volume III, FDUL, Coimbra Editora, Lisboa, 2006, pp. 763-817.
“Globalização, Pobreza e Eficiência dos Mercados: Olhai os Lírios do Campo?”, THEMIS – Revista da FDUNL, Ano VII, Nº 12, 2006, Almedina, Lisboa, pp. 117-146.
“O Factor Cliente como determinante estratégico (ensaio sobre o sector financeiro)”. Revista Economia Global e Gestão, ISCTE Business School, Lisboa, Parte I – vol. XII, 2007-2, pp. 145-166, e Parte II – vol. XIII, 2008-1, pp. 103-123.
“Da Legitimidade do Recorrente Particular em Recurso de Anulação contra as Decisões dos Orgãos da C.E.E.”, dissertação de mestrado em Direito, FDUL, 1991.
“A Raposa e a Cegonha ou o Factor Cliente no Processo de Gestão Estratégica”, dissertação de mestrado em Gestão – Estratégia e Desenvolvimento Empresarial, ISCTE, Lisboa, 2003.
“Agrupamento Complementar de Empresas: um olhar jurídico-empresarial”, ISCTE, 2000.
“Do Valor para o Consumidor à Estratégia de Marketing”, ISCTE, 2001