A alimentação está na base das nossas vidas. Até mesmo dentro do útero materno já somos influenciados pela alimentação. Ao nascer, depois de respirarmos, alimentamo-nos e assim é durante o resto da nossa vida.
Muito mudou na história da humanidade no que se refere à comida. Os nossos ancestrais tinham de se esforçar para comer, ou seja, correr literalmente atrás da comida, dada a sua escassez. Depois, os nossos antepassados comiam do cultivo, caça, criação de animais e pesca. Depois da Revolução Industrial tudo mudou. Actualmente, nos países industrializados vive-se em abundância de comida, com muitas possibilidades de escolha e na maioria das vezes com pouca qualidade. Os alimentos já estão muito diferentes daquilo que outrora foram, desde a sua concepção à sua confecção.
Normalmente, aquilo que é mais acessível e barato, é precisamente o que mais engorda, como por exemplo as massas, arroz, açúcar, bolos, achocolatados, doces, refrigerantes, fritos, etc.. Até as refeições pré-feitas e os restaurantes que são economicamente mais acessíveis, são os que têm na sua base processados, fritos e hidratos de carbono simples, que enchem a barriga e o paladar, engordam e pouco ou nada nutrem. Este tipo de oferta, apaladada, agradável, acessível e de baixo custo, leva a que as pessoas a consumam e é a mais convidativa às crianças e jovens.
O recente estudo da OMS (Organização Mundial de Saúde), revelou que Portugal é o quinto país da Europa com mais crianças e jovens obesas, como resultado do aumento do sedentarismo e má alimentação devido a maior consumo de fast food e doces. A OMS aponta, ainda, que na entrada da adolescência o comportamento alimentar vai piorando e a alimentação saudável torna-se cada vez menos frequente.
A obesidade tem impacto a diferentes níveis: a nível biológico, aumentando a probabilidade de se virem a desenvolver doenças cardiovasculares, hipertensão, diabetes, apneia do sono, entre outras; a nível social ,sendo estas crianças e jovens mais propensos ao bullying e à exclusão que tem um impacto directo a nível psicológico e emocional, tendo como consequências baixa auto-estima, quebra no rendimento escolar, depressão, desconforto com a imagem corporal, isolamento, etc..
Sendo crianças e jovens, os pais têm um papel muito importante na prevenção da obesidade. Neste sentido, abordaremos algumas questões relacionadas com o comportamento em relação à comida, abrangendo não só as crianças e jovens mas também a família.
O conhecimento dos alimentos e hábitos alimentares são aprendidos com os pais ou educadores. A alimentação é sempre uma questão sensível para os pais, pois querem os seus filhos bem alimentados. A questão é que as crianças e não só (todos na verdade!) devem estar nutridos, sem que seja retirado o prazer de comer. Assim, crianças que são expostas a diferentes alimentos e à variedade dos mesmos, receberão maior quantidade de nutrientes que os ajudarão a crescer fortes e saudáveis.
O problema é que, por vezes, são os comportamentos e hábitos dos próprios pais que exigem à criança, por exemplo, que coma sopa e legumes porque é saudável e faz crescer, quando os próprios pais recusam. Para ensinar um comportamento, não se pode agir de forma oposta. Os pais têm assim que ser congruentes com os hábitos alimentares que querem ensinar, ou melhor, habituar a criança.
A recusa alimentar surge como outra das questões a lidar. Existem pais que, mesmo comendo de forma saudável, não conseguem fazer a criança alimentar-se dessa forma, acabando por oferecer outros alimentos, que a criança quer, porque “pelo menos comeu qualquer coisa”… mas não se nutriu e não está a adquirir bons hábitos alimentares. Os especialistas referem que o reconhecimento e aceitação de um alimento, geralmente, ocorre após 12 a 15 apresentações do mesmo, ou seja, os pais não devem desistir às primeiras tentativas, devendo apresentar os alimentos de formas diferentes e atractivas.
Um dos comportamentos comuns e observável nos pais, é verbalizar a outras pessoas na mesa ou com a criança presente, que ela não gosta de determinado alimento. Desta forma, as crianças já partem do princípio que não gostam e nem voltam a tentar experimentar e dão o alimento por um “não gosto” adquirido. Por vezes, este comportamento está tão enraizado que, quando chegam à idade adulta, convencidos que não gostam do alimento, mas são levados a voltar a experimentar, descobrem que, afinal “desta forma até gosto”… e assim se passaram anos de uma recusa do alimento que apenas não foi devidamente estimulado.
Os alimentos açucarados, fritos ou salgados, ou seja, muito apaladados e processados não devem fazer parte da dieta da família. Estas são excepções que se podem ter apenas de vez em quando. Ter estes alimentos em casa, leva a petiscar e retira muitas vezes o apetite para a refeição principal.
Estes alimentos não devem ainda, como é comum, ser usados como castigos ou recompensas, pois condiciona a criança a comer por motivos errados ou a encarar a comida, ou a falta dela, como prémio ou punição.
A refeição em família, num ambiente tranquilo, de confraternização e diálogo, sem distracções como a televisão, tablets ou telemóveis, deve ser planeada para toda a família, sem excepções (pais como modelos a seguir), funcionando como estratégias para a adopção de bons comportamentos alimentares.
No que concerne aos lanches, habituar a criança a comer frutas, iogurtes, sandes (torná-las coloridas, atractivas e com textura), sumos naturais em preferência aos bolos, snacks, refrigerantes e alimentos processados. Habituar a criança que estes são excepções que até podem ser feitas em família, como o dia da “porcaria” preferida! Assim, a criança percebe que não é privada de os comer, mas que o faz com restrição.
Aprender e ensinar sobre alimentos e nutrição e convidar a criança a fazer boas escolhas também é importante, aumentando, assim, o sentimento de inclusão e competência.
Será benéfico fazer da água a bebida de eleição, das refeições e da família, assim como ensinar o hábito de ter uma garrafa de água na mochila. Beber água, mesmo sem sede, é um hábito que se adquire.
Crucial ainda, é incentivar desde cedo à prática de actividade física, não só a escolar que em termos de tempo não é suficiente, mas também na prática de um desporto que dê prazer à criança, saídas de lazer ao ar livre em família e habituá-la, sempre que possível, a caminhar e a subir escadas.
É importante ainda ressalvar que as crianças aprendem por imitação ou modelagem, ou seja, pela observação dos comportamentos dos outros e adquirem aprendizagens e hábitos que a família lhes transmite, os bons e os maus!
Por fim, é essencial frisar que o comportamento alimentar é influenciado não apenas pelos hábitos e padrões alimentares, mas também por factores genéticos, biológicos, de personalidade, sócio-culturais, emocionais, entre outros.
(Artigo publicado no Caderno Semear Saúde)