Baniya Nirmal. Assim se chama o imigrante nepalês de 26 anos cujo nome saiu do anonimato em Portugal a 25 de janeiro de 2023. Tudo por causa de um vídeo que começou a circular nas redes sociais, que mostra este jovem a ser perseguido, espancado e agredido à paulada. Tudo por pura diversão de um grupo de mais de uma dezena de jovens da zona de Olhão, cidade que foi palco das agressões.
Um ataque de tal maneira impiedoso, que os agressores tentaram ainda queimar o cabelo de Baniya com recurso a um isqueiro. Quatro foram detidos – há ainda 11 identificados – e começaram agora a ser julgados no Tribunal de Faro.
Mas há uma triste coincidência. É que o julgamento começou um dia depois de ter sido conhecido um novo vídeo em tudo semelhante ao de Baniya. O mais recente ataque – as agressões foram a 23 de dezembro de 2023, mas o vídeo só foi conhecido já nos primeiros dias de 2024 – muda apenas de cenário, ainda que tenha sido também no Algarve: desta vez as brutais agressões têm como palco uma das estreitas ruas de Cabanas de Tavira.
O ataque teve lugar de madrugada, nas traseiras de um conhecido bar daquela localidade, onde vários jovens costumam ficar durante várias horas após o encerramento do bar. Segundo moradores daquela zona, ficam ali a ‘conviver’: confraternizam, ingerem bebidas alcoólicas e até fumam haxixe. São jovens com idades a rondar os 16 e 20 anos, por vezes protagonistas de cenas de vandalismo nos prédios ali existentes e nos carros estacionados. E para trás fica sempre um cenário de lixo.
Mas se na agressão de Olhão houve um nome e uma cara, na de Cabanas de Tavira ninguém sabe quem é a vítima, apenas as autoridades policiais, dado que foi apresentada queixa. Segundo elementos da comunidade indostânica com quem falámos, crê-se que seja natural da Índia, mas ninguém ouviu falar da sua identidade.
E à semelhança de Baniya, também esta última vítima terá chegado a Portugal à procura de uma vida melhor, provavelmente enganado por uma máfia que trafica e explora imigrantes, e a quem teve de pagar milhares de euros.
“Agora evito sair à rua à noite desde que vi o vídeo na internet. Não sei quem é o rapaz, mas aquilo não se faz nem a um animal. Nós estamos aqui para trabalhar, para ajudar as nossas famílias, e gostamos muito de estar em Portugal. Mas agora temos medo, pois somos vítimas de ataques e poucos são os que nos defendem”, contou Hara, empregado de copa num restaurante, ao Postal do Algarve.
Hara mostra-se otimista, mas também preocupado. “Há muito amigos meus que querem legalizar-se e ir para outros países, mas a minha intenção sempre foi ficar em Portugal. Mas quando ficamos a saber destas agressões, pensamos duas vezes se é aqui que queremos ficar”.
105 mil estrangeiros residem no Algarve
Em 2021 havia em Portugal pouco menos de 700 mil estrangeiros com residência em Portugal. No ano seguinte, o número ‘escalou’ para os 781 mil: 263 mil oriundos do continente europeu, 125 mil de África, 269 mil da América (dos quais 240 mil são do Brasil) e 124 mil da Ásia.
O distrito de Faro surge como o segundo que mais estrangeiros acolhe, apenas atrás de Lisboa. A capital alberga quase 295 mil estrangeiros, bem destacada dos 105 mil espalhados pelo Algarve.
Encontram-se a trabalhar em inúmeras explorações agrícolas, estufas e no setor da restauração vários milhares de imigrantes indostânicos. Muitos terão sido traficados e não têm qualquer vínculo laboral, vivem em condições deficitárias e a ganhar bem abaixo do que seria esperado. As estatísticas disponíveis dão conta de 5.078 indianos, 2.683 nepaleses, 693 paquistaneses e 763 do Bangladesh. Mas certamente que muitos outros circulam por todo o território algarvio de forma completamente anónima, fora de qualquer estatística.
A título de curiosidade, e de forma completamente esperada, o ‘ranking’ de estrangeiros é dominado pelo Reino Unido (20.770), seguindo-se Brasil (17.496), Roménia (6.855), França (6.328), Ucrânia (5.445), Itália (5.502) e Alemanha (4.745).
“Imigrantes são bem-vindos”
Há três anos, e numa visita à comunidade indostânica existente nas zonas de Olhão e Tavira, o então ministro da Administração Interna elogiava o caráter trabalhador daqueles que escolhiam o Algarve para trabalhar, avançando que naquela altura havia na região 15 mil imigrantes por legalizar.
“A vossa presença em Portugal, na agricultura, no turismo, como noutras atividades económicas, é bem-vinda, e é muito importante para nós”, realçava na altura Eduardo Cabrita, numa visita a uma empresa com várias estufas de mirtilos e framboesas.
- Por João Tavares
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