Na ilha da Culatra, uma das ilhas barreira da Ria Formosa, vivem 400 famílias. A subsistência destas pessoas é feita com base na pesca, viveiros de ostra e amêijoa, e turismo. Esta ilha tenta preservar a sua identidade e para tal há até uma legislação especial que assegura a transmissão de casas apenas entre os residentes.
Ao Expresso, Sílvia Padinha, presidente da Associação de Moradores da Ilha da Culatra (AMIC) referiu que quer que seja preservado a identidade da Culatra e que já há uma forma regulamentada para o fazer.
A viagem para a Culatra é feita a partir do cais de Olhão, num dos barcos de carreira. Chegados ao destino há que atravessar a língua de areia até à praia, seguindo por uma passadeira de betão, denominada, a Rua 19 de Julho. Tal data corresponde ao dia da ilha, quando ocorreu o primeiro boicote eleitoral, em 1987. Os habitantes da Culatra, como explica o Expresso, “agarravam-se à ilha com unhas e dentes, defendendo o direito a habitar aquele território onde muitos deles nasceram e cresceram”.
“Isto tinha tudo para dar errado, mas a ilha tem um conceito de família muito enraizado. Espero que continuem assim, que não se deixem deslumbrar”, realçou Sílvia Padinha.
Os culatrenses ao longo dos anos conseguiram impedir a demolição das casas construídas em domínio público hídrico. Cinco anos depois, em 1992 conseguiram ter eletricidade e água potável, em 2010 por fim, veio a recolha do lixo. O desafio agora passa por travar a venda de casas para segunda habitação.
Essa venda de casas para segunda habitação é travada por uma cláusula de salvaguarda, incluída no Plano de Ordenamento da Orla Costeira de 2005, e uma portaria de 2018. Aí são estipulados os critérios para poder ter casa na Culatra, construir ou fazer obras nas existentes. Critérios esses que passam por ser descendente de residentes da ilha que ali habitem há mais de dez anos, a casa estar associadas à atividade piscatória ou ser para uso próprio e permanente.
Sílvia Padinha explica que compete à Agência Portuguesa do Ambiente (APA) dar o parecer sobre o direito de ocupação das casas seguindo os critérios definidos.
“As casas só podem ser vendidas assim, evitando a especulação imobiliária. Caso contrário, isto ficava nas mãos de quem tem algum poder económico e lá se ia a identidade”, refere.
Esta legislação é específica para a ilha da Culatra, por ser um núcleo habitacional consolidado, e não abrange as outras ilhas barreira da Ria Formosa.
Existem 377 casas na Culatra. Quase 300 dessas já têm licenças atribuídas. Sílvia Padinha admite que embora exista legislação, há casas que são vendidas a terceiros e há pelo menos duas com obras embargadas.
“Há sempre pessoas a furar o esquema. Vamos ver se a administração pública atua, porque não foi por isto que lutámos. Nós assumimos um compromisso com eles. Cada casa que é vendida para segunda habitação é um soldado perdido. A escola rapidamente fecha porque deixa de haver crianças. E depois fica meia dúzia que não se sente identificada. As casas que vão ficando livres têm de ser transferidas para descendentes de pescadores a viver cá. Se o Estado português quiser pode retirar a casa a quem não cumprir, porque o terreno é público”, explica.
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