Pelo terceiro mês consecutivo, a crónica é dedicada a personalidades que partiram por doença prolongada, neste curto espaço de tempo. Espero escrever no novo ano crónicas dedicadas a temas bem diferentes.
Gostaria de fazer com as minhas palavras uma singela homenagem a Baltazar Guerreiro, que partiu no passado dia 9 de Novembro com 58 anos. Um algarvio bastante conhecido na região e que dedicou grande parte da sua vida à música, em particular ao acordeão.
Baltazar Guerreiro começou a tocar este instrumento musical com 6 anos de idade quando ainda vivia em Alcoutim, terra onde nasceu e viveu até aos 11 anos, altura em que a família se mudou para Loulé.
Realizou inúmeros concertos na região e levou o nome do Algarve a países onde actuou, tais como a Suécia, Suíça, Dinamarca e Estados Unidos da América. Editou o seu primeiro trabalho discográfico em 1988, tendo vendido mais de 10.000 unidades. Foi co-fundador da «Orquestra Big Band – Arte & Música» e do Grupo de Música Portuguesa «Albuhera» e integrou o «Quarteto de Fado Albuhera».
Há alguns anos assisti a um concerto do Grupo «Albuhera» onde a fadista Raquel Peters é a vocalista. No final fui felicitar esta amiga, que muito admiro como artista e como pessoa e apresentou-me os elementos do grupo onde estava Baltazar Guerreiro.
Conversamos no ambiente informal e agradável da praça principal de Alcoutim, onde decorreu o concerto.
Foi então que Baltazar disse que era natural daquela localidade e contou um pouco do seu percurso.
“Promotor da identidade cultural algarvia e um embaixador criativo dos produtos regionais”
Baltazar Guerreiro é um dos acordeonistas referidos no livro da Arandis Editora intitulado O Acordeão no Algarve – Um Século de Histórias e Memórias, da autoria de Nuno Campos Inácio.
O autor do livro descreve o acordeonista numa excelente frase de síntese do que foi a vida deste homem, que irradiava alegria e orgulho de ser algarvio e que nós algarvios não esqueceremos: “um acordeonista activo e voluntarioso, promotor da identidade cultural algarvia e um embaixador criativo dos produtos regionais”.
Voltei a encontrá-lo, quase sempre com a sua simpática família, em vários eventos de divulgação do que o Algarve tem de melhor. Um produtor presente e empenhado em divulgar os produtos da região.
Percebia-se a sua paixão pelo Algarve, pelas tradições e que complementava tão bem com a arte de tocar acordeão, instrumento ligado à tradição musical algarvia.
Comprei alguns produtos da marca «Chocofigo», que muito apreciei. Marca que Baltazar Guerreiro criou e que comercializava divulgando assim produtos regionais como o figo, a laranja, a alfarroba, a batata doce, entre outros, cobertos com chocolate. São pessoas assim que também contribuem para que o Algarve mantenha a identidade.
O facto de este empresário comprar as matérias primas a produtores locais e ter um produto quase todo feito à mão acrescentou valor à sua marca, ao ponto de se internacionalizar (era também empresário no ramo da óptica).
Divulgou os produtos endógenos de forma criativa, em especial pela arte de saber juntar as matérias primas dando-lhes um toque gourmet e, entre várias inovações, pela criação de um chocolate com piri-piri.
Faleceu no dia em que terminou o 69º Troféu Mundial de Acordeão em Loulé, concelho onde Baltazar Guerreiro vivia há algumas décadas.
A sua morte coincidiu também com a data em que se realizou o XVII Congresso Europeu de Confrarias Vínicas e Gastronómicas, em Albufeira.
Dois eventos que lhe diziam certamente muito e aos quais já não conseguiu assistir.
O seu grupo musical actuou no Congresso e nesse momento chegou a notícia da sua partida. Em palco Raquel Peters partilhou essa dor e em memória do colega e amigo cantou um tema especial – My way de Frank Sinatra.
Sempre me parece que as pessoas com doenças prolongadas morrem em datas que para elas são especiais ou coincidentes com acontecimentos especiais.
Partiu um acordeonista de excelência e um divulgador genuíno dos produtos regionais.
A família Guerreiro ficou mais pobre e o Algarve também.
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de dezembro)