As associações de autocaravanismo defenderam esta quarta-feira, no parlamento, o fim da proibição de pernoita destes veículos em zonas que não o permitam expressamente, enquanto as associações locais da Costa Vicentina reclamaram o combate ao “caravanismo selvagem”.
No total, 10 entidades foram ouvidas, por videoconferência, na comissão parlamentar de Economia, Inovação, Obras Públicas e Habitação, na Assembleia da República, em Lisboa, no âmbito da apreciação dos projetos de lei de PCP, PEV, BE e PSD, que propõem alterações a artigos do Código da Estrada, inclusive ao 50º-A sobre a proibição de pernoita e aparcamento de autocaravanas.
Nesta quinta-feira, os grupos parlamentares têm oportunidade de apresentar propostas de alteração a estes quatro projetos de lei em discussão na especialidade.
“Fazem sempre mistura do que é o campismo selvagem, que condenamos em absoluto e que só existe porque as autoridades não foram capazes, até o momento, de pôr cobro a tal prática”, afirmou o presidente da Associação Autocaravanista de Portugal (CPA), Paulo Moz Barbosa, reforçando que autocaravanismo e campismo são atividades distintas: “o que vemos são tendas e são carrinhas transformadas que nem sequer têm cozinha, nem ‘toilet’, nem águas, portanto isso não é autocaravanismo e as autoridades têm de ter a mão pesada”.
Contra a introdução do conceito de pernoita para as autocaravanas na legislação portuguesa, o presidente da CPA disse que a questão foi criada “para beneficiar, de uma maneira inconstitucional, os proprietários dos parques de campismo”.
A representar a Federação Portuguesa de Autocaravanismo (FPA), Manuel Bragança expôs que “o autocaravanismo itinerante tem impresso o conceito de liberdade”, considerando “abusivo” a introdução do conceito de pernoita no artigo 50º-A do Código da Estrada, uma vez que o estacionamento destes veículos “não é acampamento”.
Manuel Bragança referiu ainda que a Federação Internacional de Autocaravanismo, que representa 10 países europeus e em que a FPA é membro efetivo, apresentou em junho no gabinete da comissária dos transportes da União Europeia uma queixa contra Portugal sobre a nova legislação, em vigor desde janeiro deste ano.
Já o presidente da Associação de Caravanismo de Portugal (CDP), Joaquim Carvalho, indicou que é “contra o artigo 50º-A tal como está redigido para todo o território nacional, porque é demasiado generalista, sem prever qualquer tipo de exceção”, acrescentando que “o caravanista também é itinerante, não é só o autocaravanista”.
Em representação da Automóvel Clube de Portugal (ACP), Luís Figueiredo apoiou o autocaravanismo itinerante, uma vez que “autocaravanas são equipamentos que estão homologados pelo IMT [Instituto da Mobilidade e dos Transportes], que tem dispositivo sanitário e tem separação de águas limpas e águas sujas, que permite que sejam completamente autossuficientes na proteção da natureza até 72 horas”.
“Ter uma autocaravana e estar em pernoita num qualquer lugar não é uma ameaça à natureza”, apontou o responsável da ACP, propondo que no artigo 50º-A façam a distinção entre autocaravanas e similares de autocaravanas e “no caso de autocaravanas seja permitida a pernoita até um máximo de 72 horas”.
Para o diretor-geral da Federação de Campismo e Montanhismo de Portugal (FCMP), Carlos Vieira, o artigo 50º-A deve continuar com está, explicando que para pernoita existem dois locais, nomeadamente as áreas de serviço e os parques de campismo.
“Neste momento, existem mais 130 áreas de serviço a ser construídas”, avançou o diretor-geral da FCMP, recusando alguma vantagem económica, até porque “muitos destes espaços são a custo zero para os autocaravanistas”.
Da Associação de Parques de Campismo do Alentejo e Algarve (APCAA), Carlos Rodrigues expôs a necessidade de se encontrar uma solução que seja equilibrada para todas as partes, entendendo que o artigo 50º-A visa “combater os comportamentos abusivos e garantir as questões de salubridade e segurança”, mas acredita que pode ser melhorado.
“Não é pela retirada da questão da pernoita, mas sim pela criação de bolsas onde não existe qualquer infraestrutura, nem privada, nem pública”, propôs Carlos Rodrigues, rejeitando também a questão monetária sobre a pernoita, ainda que seja benéfico em termos de organização e que permite mais qualidade do usufruto dos autocaravanistas e das populações residentes.
De acordo com a presidente da associação Rota Vicentina, Marta Cabral, tem-se registado uma crescente procura por este tipo de turismo itinerante em caravanas e autocaravanas, pelo que é preciso “que seja distinguido aquilo que é o caravanismo do caravanismo selvagem ou caravanismo desregulado”, defendendo o ordenamento de qualquer tipo de pernoita, “independentemente de ser numa cama, numa tenda, num veículo, o que é importante é a capacidade de carga do território e a necessidade de ordenamento”.
“Estamos perante, não um movimento orgânico, mas um negócio com uma expressão gigantesca”, descreveu Marta Cabral, reclamando uma estratégia de turismo que se foque nas comunidades residentes e que garanta um futuro sustentável.
Na perspetiva de António Ferreira, da Associação de Defesa da Costa Vicentina (Arriba), “a massificação deste ‘van-life-style’, através do negócio milionário de carrinhas adaptadas, ‘rent-a-cars’ com tendas no tejadilho e empresas de aluguer de autocaravanas, veio matar definitivamente o autocaravanismo clássico”.
Assegurando que não é contra os autocaravanistas, o representante da Arriba realçou que o artigo 50º-A no Código da Estrada e a multa na hora funcionaram, pela primeira vez, como “um efeito tampão” à devassa da natureza e ocupação dos terrenos do Parque Natural da Costa Vicentina.
Já o presidente da delegação do Algarve da Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP), Cristóvão Lopes, declarou que, pela importância da classificação dos destinos turísticos, “é fundamental que se mantenham as regras que entraram em vigor em janeiro de 2021”, mas há disponibilidade para introduzir melhorias.
Além destas nove entidades, a audição contou com a intervenção da GNR.
As alterações ao Código da Estrada, contestadas pelos representantes dos autocaravanistas, entraram em vigor em janeiro, consagrando a proibição de aparcamento e pernoita de autocaravanas fora dos locais autorizados.
Foi atribuída competência fiscalizadora à GNR, à PSP, à Polícia Marítima e aos municípios para atuarem fora das vias públicas e áreas protegidas em situações de pernoita e aparcamento de autocaravanas ou rulotes fora dos locais autorizados.