Dois ativistas do grupo espanhol Futuro Vegetal colaram-se hoje às molduras das pinturas “A Maja Nua” e “A Maja Vestida”, de Francisco de Goya, expostas no Museu Nacional do Prado, em Madrid, numa manifestação de protesto pela emergência climática.
Entre as duas pinturas escreveram a mensagem “+1,5º”, para “alertar sobre o aumento da temperatura global que causará um clima instável e graves consequências em todo o planeta”, cita a agência EuropaPress.
Este protesto soma-se a outros que ocorreram nas últimas semanas, em algumas instituições museológicas do Reino Unido, Alemanha, Itália e Países Baixos, tendo atingido Espanha pela primeira vez, de acordo com notícias divulgadas.
No início da semana, este tipo de ações deu origem à emissão de uma circular do Ministerio de Cultura de Espanha, recomendando o aumento de vigilância nos museus e a maior atenção aos seus visitantes.
Em Portugal, os diretores de museus contactados pela agência Lusa estão preocupados com os recentes casos de ações ambientalistas consideradas “hediondas” e de “terrorismo” contra obras de arte, e intensificaram a vigilância do património cultural à sua guarda.
Em causa está “a própria natureza democrática” dos museus, que trouxeram a arte para o espaço público, na sequência da Revolução Francesa, e a tornaram “propriedade coletiva dos cidadãos”, como sublinharam, num trabalho hoje divulgado pela agência Lusa.
Desde julho deste ano, vários grupos ambientalistas escolheram como palco de protestos museus do Reino Unido, Alemanha, Itália e Países Baixos, nomeadamente o grupo britânico ‘Just Stop Oil’, criado por membros do ‘Extinction Rebellion’, e o alemão ´Letzte Generation´.
Os alvos escolhidos foram, por exemplo, o quadro “Girassóis”, do pintor neerlandês Vicent Van Gogh (1853-1890), em exposição na National Gallery, em Londres, ao qual foi lançada sopa de tomate, ficando ligeiramente danificado, e um quadro do pintor francês Claude Monet (1840-1926), da série “Les Meules”, em exposição no Museu Barberini de Potsdam, em Berlim, alvo de puré de batata.
Esta última obra não chegou a ser danificada, por estar protegida por um vidro, segundo indicação do museu.
Para diretores de museus portugueses, contactos pela Lusa, como o Museu Nacional dos Coches e o Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa, que guardam, restauram e exibem coleções únicas no mundo, estes casos são “preocupantes” para estes espaços culturais, porque “colocam em risco um património que é de todos” e “deve ser protegido para as atuais e futuras gerações”.
O diretor do Museu Nacional dos Coches, Mário Antas, um dos museus mais visitados do país, mostrou-se “obviamente preocupado com um fenómeno que está sobretudo a alastrar na realidade europeia”, e cuja associação à arte lhe suscita muitas dúvidas.
“Não está em causa o direito de protestar, mas o ‘modus operandi’ para com as obras de arte, que, afinal, são património da Humanidade para serem fruídas por todos”, declarou à Lusa.
O diretor do Museu Nacional dos Coches diz ter “alguma dificuldade em perceber o que os museus e as obras de arte têm a ver com este tipo” de protesto ambientalista. “Está relacionado com a questão do petróleo e da poluição, mas as obras de arte não têm culpa nenhuma. São ações mediáticas, mas é difícil de perceber porque têm as obras de arte de pagar por isto”, questionou.
Relativamente à segurança, “está em concertação com as orientações de segurança da Direção-Geral do Património Cultural [DGPC]”, organismo do Ministério da Cultura que tutela museus, monumentos, palácios e sítios arqueológicos nacionais.
Também chamou a atenção para a necessidade de uma “educação patrimonial” da sociedade, numa “via profilática e pedagógica que se pode fazer todos os dias, a começar nas escolas, com a consciencialização da importância do património único existente em Portugal”.
Os mesmos receios foram partilhados pelo diretor do Museu Nacional de Arte Antiga, Joaquim Caetano.
“É óbvio que a situação é preocupante para todos os museus, e estamos a tomar medidas para tentar que não aconteça nada”, indicou, em declarações à Lusa, especificando que o reforço tem sido feito “com empresas de vigilância, em princípio, mais preparadas para responder a casos destes”.
Disse ainda que “é precisamente a DGPC que está a fazer o controlo e a tomar essas medidas”, porque “a preocupação é partilhada por diretores de museus e pela tutela”.
O historiador de arte recordou que “uma das razões pelas quais os museus nacionais foram criados a seguir à Revolução Francesa foi precisamente para responder à iconoclastia [movimento radical que se opunha ao culto das imagens e que chegava a destruí-las] revolucionária, que, na altura, atingiu um grande peso sobretudo pela ligação da arte à riqueza do antigo regime e à propaganda real”.
O retirar dessas peças dos espaços reais e nobres para a criação dos grandes museus nacionais “foi uma resposta no sentido de retirar a carga propagandística que grande parte da riqueza artística tinha, e transformá-la numa propriedade coletiva dos cidadãos”, lembrou.
“Houve uma descontextualização do caráter de propaganda da arte, e a sua transformação num mecanismo de identidade da própria democracia nascente. É nesse sentido que as obras de arte estão nos museus. Quando essa iconoclastia [agora] entra nos museus, quer dizer que se está a pôr em causa a própria natureza democrática destas instituições, e isso parece-me um pouco despropositado como ‘modus operandi’”, sustentou Joaquim Caetano.