Começou a investir no Algarve há quase 35 anos, mas permanece quase ‘outsider’ da cena hoteleira nacional. O empresário árabe Mohamed Bin Issa Al Jaber costuma ser mais falado quando há problemas – o que foi o caso quando há dez anos esteve em vias de perder os seus hotéis Penina e Dona Filipa, além de campos de golfe como o San Lorenzo que tinham ido parar às mãos de um fundo, e que conseguiu recuperar ‘in extremis‘.
Na memória, fica também o ‘desaire’ da mega-festa que o empresário saudita promoveu no Algarve há cerca de vinte anos a anunciar um hotel que nunca chegou a abrir, e que prometia ser o mais luxuoso da região.
Mohamed bin Issa Al Jaber nasceu em Jeda há 62 anos, no seio de uma família humilde, e viria a auto intitular-se de xeque quando constituiu a sua empresa de construção – a Jadawel International Construction & Development – vocacionada para construir casas a expatriados na Arábia Saudita. Hoje, a sua JJW Hotels & Resorts é detentora de um portefólio de hotéis de luxo, não só no Algarve mas também na Áustria ou em França.
Ele próprio se descreve como um homem de negócios “self made”, e assume ter subido na vida a pulso. “Não nasci rico e sou de origem humilde. Iniciei a minha vida a construir com pouco dinheiro“, salientou Al Jaber num programa sobre os homens mais ricos do Médio Oriente, emitido há alguns anos pelo canal Discovery.
Al Jaber era considerado pela Forbes uma das maiores fortunas do mundo há cerca de dez anos (numa altura em que os seus hotéis no Algarve enfrentavam processos de insolvência), e o terceiro árabe mais rico, tendo um património avaliado em mais de 5 mil milhões de euros.
Muitos questionam-se como um homem tão rico era conhecido por casos de dívida e falhas de pagamentos. Mas a figura de Al Jaber está longe de poder ser descrita a preto e branco, e se há quem o destaque pela capacidade de “tirar coelhos da cartola” e encontrar esquemas a resolver situações complexas à última hora, não falta também quem o considere “uma pessoa exigente, muito simples e humana” ou “um visionário que gosta de desafios”.
“Não sou um especulador. E tenho a certeza de ter contribuído para o desenvolvimento do Algarve”
FESTA NO ALGARVE AO ESTILO DE ‘HOLLYWOOD’ – PARA ANUNCIAR UM HOTEL QUE NÃO CHEGOU A ABRIR
A história de Mohamed Al Jaber em Portugal começa em 1987, com a compra de uma área na Quinta do Lago – designada de Pinheiros Altos – onde veio a desenvolver um condomínio residencial e um campo de golfe de 18 buracos. Era aí que o empresário saudita projetava fazer um luxuoso hotel, o Royal Algarve, cuja construção foi iniciada mas acabou por parar, alegadamente por problemas de financiamento e dívidas a fornecedores.
Os ‘anticorpos’ em relação aos investimentos do árabe no Algarve começaram nessa altura, há quase vinte anos, com o ‘flop’ do seu hotel de super-luxo que nunca chegou a abrir na Quinta do Lago. Para a memória, fica a festa ao estilo de Hollywood que Al Jaber promoveu nos Pinheiros Altos em agosto de 2002, para anunciar o hotel Royal Algarve, e para a qual disse ter convidado 1500 personalidades de toda a Europa, no objetivo de promover a região costeira portuguesa junto da nata dos investidores internacionais.
A própria festa do magnata saudita no Algarve no verão de 2002 soou a fogo-de-artifício: terá custado cinco milhões de euros, segundo notícias da época, e prometia a presença de estrelas internacionais, entre as quais os atores Sean Connery, Michael Douglas e Catherine Zeta-Jones, que ninguém chegou a ver. Mas foi ‘badalada’ na imprensa sobretudo pela presença de figuras do ‘jet set’ português, como Lili Caneças ou o costureiro Augustus – e entre flutes de champanhe e pratos de ‘vol-au-vent’, no final da festa a maioria dos convidados nem sabia bem quem era o anfitrião.
A notícia das dívidas que fizeram parar a obra do hotel na Quinta do Lago foram a primeira nódoa do percurso de Al-Jaber no Algarve. O empresário árabe voltou à ribalta quando em 2008 comprou ativos emblemáticos na região ao grupo Starwood: o hotel Penina, o hotel Dona Filipa em Vale do Lobo e o clube de golfe San Lorenzo na Quinta do Lago, considerado um dos mais exclusivos da Europa, num pacote que totalizou 174,5 milhões de euros.
A ‘jóia da coroa’ entre estes ativos era o hotel Penina, um dos primeiros hotéis de cinco estrelas do Algarve, e onde Paul McCartney dos Beatles, ao passar férias na região em 1968, compôs a canção ‘Penina’.
Quatro bancos nacionais formaram na altura um sindicato bancário para financiar esta aquisição do empresário árabe no Algarve (BCP, CGD, Banco Espírito Santo e Banif), num total de 130 milhões de euros, dos quais foram efetivamente disponibilizados 108 milhões de euros. Além de uma ‘tranche’ de 1,5 milhões paga no segundo semestre de 2009, nenhuma outra parte deste montante foi reembolsada aos bancos pelo grupo JJW Hotels de Al Jaber.
“PAGO JÁ, E EM CASH”, GARANTIU O XEQUE, A UM FIO DE PERDER OS HOTÉIS NO ALGARVE
O que se seguiu foi um ‘dejá vu’ de um filme associado a dívidas e falta de pagamentos que o grupo de hotéis do empresário árabe já tinha protagonizado em outros países, como Áustria, França, Inglaterra ou Escócia. Face aos sucessivos incumprimentos de Mohamed Al Jaber no pagamento dos ativos que tinha adquirido no Algarve já há vários anos, o sindicato de bancário rescindiu o contrato de financiamento no final de 2010.
A 29 de dezembro de 2011, quando Portugal estava intervencionado pela troika, os bancos portugueses (com destaque para o BCP) decidiram passar para o fundo ECS os créditos celebrados com sociedades do grupo JJW, no valor total de 119 milhões de euros – e as dívidas a credores levaram a que várias sociedades do grupo acionassem um pedido de insolvência em março de 2012.
Al Jaber esteve a um fio de perder os hotéis Penina, Dona Filipa e os seus golfes no Algarve, ativos que também eram cobiçados pelo próprio fundo da ECS Capital que detinha os seus créditos. Com todas as armas, bateu-se contra o fundo de reestruturação pela posse dos seus hotéis, e acionou um processo especial de revitalização em julho de 2012 que automaticamente suspendeu os processos de insolvência, cuja sentença estava iminente.
“Pago já, e em cash”, garantiu Al Jaber em entrevista ao Expresso em outubro de 2012, negando na ocasião estar em dívida com a banca. Na sua versão, eram os bancos que estavam em falta, alegando que “o empréstimo era de 15 anos, mas chamaram-me a pagar 10 anos antes”.
“Sou um homem de honra e de verdade e a história tem-me dado razão. Os bancos falharam. Não tinham o direito de transferir a dívida e não cumpriram com o que tinham acordado”, enfatizou na altura o xeque, adiantando estar disposto a processar os bancos.
O que é facto é que à última hora, o empresário árabe conseguiu um acordo com o BCP, o seu principal credor, fez a transferência do dinheiro em dezembro de 2012, e assim afastou o fundo da ECS do processo e o seu grupo ficou limpo de dívida.
UMA ASSOCIAÇÃO FILANTRÓPICA QUESTIONADA POR ORGANIZAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS
Dívidas, salários em atraso, ou processos em tribunal, são um rasto que Mohamed Bin Issa Al Jaber deixou em vários países onde estabeleceu negócios.
Na Áustria enfrentou vários processos de insolvência, um dos quais iniciado pelo seu banco central – e um trauma que deixou no país foi quando o seu grupo JJW, que se tinha tornado maioritário na centenária produtora tirolesa de esqui, a Kneissl, falhou a transferência de 2,1 milhões de euros que permitiam o seu resgate, o que levou à liquidação da empresa.
No Reino Unido, o grupo do magnata saudita tinha comprado em 2007 cinco hotéis boutique, mas passados três anos a empresa entrou em processo de insolvência. Também o Standard Bank teve de recorrer ao Supremo Tribunal de Londres para reclamar o empréstimo de 150 milhões de dólares que a empresa de Al Jaber tinha contraído para comprar hotéis, e que não pagou.
Em França, o grupo de Al Jaber tinha obtido em junho de 2008 os direitos de construção de um complexo residencial em Levallois, nas margens do Sena, mas acabou por não construir nada – o que levou a cidade de Levallois a retomar o controlo dos direitos de urbanização, alegando perdas, e o Tribunal Comercial de Paris a condenar Al Jaber ao pagamento de 20 milhões de euros, por danos.
Os exemplos repetem-se, olhando os relatos da imprensa internacional, que dão conta que o grupo do xeque não reembolsou o empréstimo ao banco alemão Aareal, no valor de 95,6 milhões de euros, em abril de 2012. E para evitar ver o seu grupo liquidado em França, Al Jaber recorreu ao mecanismo de salvaguarda contra credores (apoiado pelo advogado de Bernard Tapie), o que não só lhe permitiu não ser liquidado, como continuar a operar.
Até a associação filantrópica que Al Jaber criou em Londres com o objetivo de reforçar o diálogo euro-árabe tem sido questionada – e os que não simpatizam com o empresário saudita não deixam de ver aqui um instrumento de fachada para melhorar a sua imagem e entrar em contacto com os meios académicos.
Um dos casos polémicos ocorreu em 2012, quando a associação filatrópica do xeique fez uma doação de 470 mil dólares à Human Rights Watch, que acabou por ser rejeitada pela organização de direitos humanos ao apurar a fonte de onde provinha.
“Lamentamos que a concessão (do donativo) tenha sido feita pelo proprietário de uma empresa que a Human Rights Watch identificou anteriormente como praticando abusos dos direitos dos trabalhadores”, explicou a organização na altura, em comunicado, enfatizando não aceitar o financiamento de uma empresa que representa “ela mesma um foco do trabalho da Human Rights Watch”.
Além da empresa de construção Jadawel International Construction & Development ter sido alvo de denúncias da Human Rights Watch por violações de direitos trabalho, também a agência das Nações Unidas para os Refugiados acusou a 8 de junho de 2011 as empresas de Al Jaber de explorar e não pagar salários aos emigrantes nepaleses ou indianos, que depois eram expulsos do país, quando o visto caducava, e não tinham tempo de reagir.
HOTÉIS DE AL JABER NO ALGARVE ABREM UMA NOVA PÁGINA
O problema do grupo do xeque árabe no Algarve parece ser o próprio Al Jaber e a sua personalidade controversa, em que “a litigância faz parte do seu perfil”, segundo diz quem o conhece.
Inquestionável, é o valor dos seus ativos, que integram os hotéis Penina, Dona Filipa e o aparthotel Formosa Park, junto à praia do Ancão, que agora se preparam para ficar sob gestão do InterContinental Hotels Group (IHG), mediante “franchise“.
Os hotéis Penina e Dona Filipa ficarão como Vignette Collection, a nova marca de luxo do IHG (o que também se estenderá ao exclusivo Grand Hotel Wien, que o grupo de Al Jaber detém na capital austríaca), e aparthotel Formosa Park, passa a ter a marca Voco, segundo adiantou o Negócios. Estas alterações irão requerer reformas que totalizam investimentos de 42 milhões de euros, que serão partilhados entre o proprietários e a multinacional hoteleira.
Trata-se de uma nova página que se abre aos hotéis da JJW na região, e a entrada da InterContinental é vista como uma estratégia de futuro, “dando credibilidade a toda a sua operação no Algarve” e capaz de terminar com o histórico de promessas não cumpridas ou de pagamentos falhados, que persiste colado à sua imagem.
Al Jaber passa a gestão dos hotéis no Algarve à InterContinental, mas permanece dono de todos os ativos, além de continuar a liderar a operação dos três campos de golfe (Pinheiros Altos, San Lorenzo e Penina) e de todos os ativos imobiliários que detém na região.
“Continuo a acreditar no potencial turístico português“, tem repetido o empresário saudita sucessivas vezes, enfatizando trabalhar “na base da confiança” e apreciar o povo português, “que é leal e trabalhador”. E também já deixou claro que o seu amor pela região é genuíno, e é para durar mesmo que seja por mil e uma vidas. “Não sou um especulador. E tenho a certeza de ter contribuído para o desenvolvimento do Algarve”, garantiu.
– Notícia do Expresso, jornal parceiro do POSTAL