Mesmo que, por hipótese pouco plausível, fosse possível derrotar num futuro próximo o “Estado Islâmico” – a AlQaeda e outros seus derivados, do Boko Haram ao Al Shabab – haverá sempre metáteses (outras organizações, outros tantos nomes) enquanto a fonte ideológica de onde emergem continuar a existir.
E a Arábia Saudita e o seu Islão puritano, extremista, intolerante e radical continuará a existir sempre que o Ocidente continuar a fazer negócios de milhares de milhões com os dirigentes desse reino, onde se despreza em absoluto tudo o que o Ocidente representa em valores de liberdade e democracia.
E o que é pior: o reino saudita está cada vez mais apetrechado com material militar de ponta, vendido também por esse mesmo Ocidente que, na prática, mostra assim que o valor negócio está sempre à frente dos seus valores humanistas básicos.
Nesta área, e para se ver isto em perspectiva, a França e os EUA venderam nos últimos dois anos cerca de cento e dez mil milhões de euros em armamento aos sauditas. No reverso desta equação, os sauditas investem principescamente no Ocidente, em actividades comerciais lucrativas, em organizações caritativas que mais não são do que fachadas de disseminação para prosélitos, subsidiam a construção de mesquitas e formam imãs na mesmíssima linha intolerante que é apanágio do reino.
O Ocidente é assim ensinado nas escolas corânicas e mesquitas do Ocidente onde impera o dinheiro saudita como uma terra de ímpios e degenerados. Depois, é claro, ainda temos todos os erros do Ocidente no xadrez mundial, do Afeganistão à Líbia, a mais das vezes colocando-se ao lado de forças de cunho marcadamente religioso contra aquelas mais próximas do nacionalismo árabe ou outro, ainda que nas suas vertentes ditatoriais. E também aqui, a mais das vezes, a par das estratégias que mais interessaram à Arabia Saudita. Como consequência, contribuiu-se para uma maior disseminação da visão totalitária do Islão da qual ela é o símbolo e o garante.
Tudo o mais que nos disserem agora face à nossa revolta e indignação após cada atentado, o que nos mostrarem de reacção e aparato policial, de ondas de solidariedade, de grandes frases a evocar a necessária resistência em nome do nosso modo de vida, da necessidade de mais meios e coordenação entre serviços de informação, dos avisos que haverá novos e inevitáveis atentados, tudo serão apenas sinais de um inútil ritual.
Eles repetir-se-ão a cada novo atentado. Esta crónica é, por isso, também ela, praticamente inútil.
(Opinião publicada no site www.rtp.pt)