A dormir e a caçar ratos, expressão alentejana que se refere às situações em que alguém finge estar a dormir.
Curiosamente, é na região alentejana que se localiza uma situação que sucessivos Governos portugueses têm ignorado a sua existência, desconsiderando as enormes potencialidades que podem emergir de um olhar mais atento sobre o que efetivamente há e não sobre o que pode haver, um dia.
Talvez mais insistência à reflexão ajude a manter o estado de desperto, permutando-se ao prolongado adormecimento.
Reflitamos.
Em jeito de início, dois nomes e uma preposição: aeroporto de Beja.
Viajar é, por vezes, cansativo. Longos voos, por exemplo, causam estados de cansaço que na maioria das pessoas cria um desejo imediato de aterrar e chegar a um destino final que permita recuperar o corpo (e a mente) do desgaste acumulado. Por isso, é normal que a distância do aeroporto de aterragem até ao destino final importe (muito) na escolha dos voos, das ligações aéreas, dos tempos de espera em cada aeroporto e, obviamente, do preço que estou disposto a pagar à companhia aérea, em harmonia com as minhas capacidades económicas.
Por estas razões há viagens com companhias mais caras que, em regra, oferecem chegadas em aeroportos mais bem localizados que outras companhias mais baratas que apenas garantem chegadas em aeroportos distantes das principais cidades procuradas pelos viajantes. Estas últimas, comumente denominadas de low-cost, palavra estrangeira que, com a moda dos tempos modernos, caminha para ser um novo estrangeirismo na língua portuguesa, mudaram complementarmente o mercado de transporte comercial aéreo de passageiros, promovendo a facilidade em viajar para muitos destinos em troca de um preço mais baixo.
Lisboa está no topo da lista no que se refere à distância entre o aeroporto e o centro da cidade. São apenas cerca de 6 quilómetros a percorrer. Uma situação claramente cómoda e favorável a todos os viajantes que escolhem a capital portuguesa como destino final da sua viagem, incluindo os viajantes em companhias low-cost.
O primeiro-ministro, Luís Montenegro, anunciou recentemente a aprovação da construção do novo aeroporto em Alcochete para complementar ao aeroporto Humberto Delgado, recomendação da Comissão Técnica Independente, que recusou considerar que o aeroporto de Beja seja uma adequada solução para resolver o problema de congestionamento de tráfego aéreo no aeroporto lisboeta.
Mas considerando que se antecipa um prazo de 10 a 15 anos para a conclusão da nova infraestrutura, surge agora a necessidade de se solucionar para um problema atual e que não pode esperar mais de década pela conclusão da referida obra.
O aeroporto internacional de Beja são dois nomes, uma preposição… e uma solução, caso haja coragem e seriedade nas decisões tomadas para visar o interesse nacional de um Portugal totalmente desequilibrado entre o seu espaço urbano e rural.
Terminado em 2011, com possibilidade de receber cerca de 2 milhões de passageiros por ano, este aeroporto alentejano localiza-se a 175km de Lisboa, através da A2. Tal significa mais 135km, do que a distância que separa o futuro aeroporto de Alcochete a Lisboa, pela atual A12, sem prejuízo da futura ponte sobre o rio Tejo que se planeia construir.
O aeroporto, também, se distancia a 95km de Porto Covo, através da N121, 104km de Vila Nova de Milfontes, pela N262, 140km de Aljezur , através da N263 e 70km de Évora pela N254, cidade esta localizada a cerca de 130km dos aeroportos de Lisboa e Badajoz.
Mas, além de Lisboa, da costa alentejana e de Évora, o aeroporto de Beja distancia-se a cerca de 160km de Faro, pelas ligações da A2 ou IP2. Em outubro de 2023 o Instituto Nacional de Estatística (INE) revelou que aeroporto de Faro registou um crescimento de 18,8% no final de 2023 comparativamente a agosto de 2019, no que se refere ao movimento de transporte comercial, demonstrando que o aeroporto algarvio cresce a um ritmo acelerado e que, possivelmente, num futuro próximo será insuficiente para dar resposta às necessidades das regiões sul do país.
A questão fundamental para o leitor refletir é: será a distância de 175km, que separa o aeroporto de Beja à cidade de Lisboa, uma viagem com duração aproximada a 1 hora e 45 minutos, assim tão oneroso para um viajante percorrer caso pretenda chegar a Lisboa, uma vez tendo voluntariamente viajado numa companhia de baixo custo, prescindindo de pagar uma tarifa de viagem mais cara a uma outra companhia que o transportaria diretamente para o aeroporto Humberto Delgado?
Há vários aeroportos do mundo que servem cidades principais, usualmente usado pelas companhias aéreas low-cost, cujo tempo de viagem a percorrer entre o aeroporto e a cidade correspondem aproximadamente ao tempo que distancia o aeroporto de Beja a Lisboa, nomeadamente Bergamo a Milão, Beauvais Tillé a Paris, Frankfurt-Hahn a Frankfurt, Sepang a Kuala Lumpur, Gatwick a Londres, Incheon a Seoul.
Há, por isso, grandes potencialidades económicas e sociais que podem ser promovidas com o desenvolvimento do aeroporto internacional de Beja, tornando-o não um aeroporto temporariamente alternativo ao aeroporto Humberto Delgado, mas um aeroporto principal para a região do Alentejo. Cria, igualmente, uma oportunidade para se investir na melhoria das redes rodoviárias e ferroviárias que ligará o Alentejo e o Algarve ao resto do país ajudando, simultaneamente, Portugal no cumprimento das suas metas ambientais em relação ao combate às alterações climáticas.
Construir com o uso de financiamento público implica uma especial responsabilidade acrescida de investir bem e com noção que o interesse público é a principal prioridade a prosseguir pelas entidades decisoras. Isto significa que é preciso realmente refletirmos e interrogarmos o seguinte: o que compensa mais no seguinte conflito de interesses? (i) evitar o “sacrifício” do passageiro aéreo em realizar uma viagem de cerca de 1h45 para Lisboa (caso esse seja o seu destino final) ou; (ii) investir na construção de um novo mega projeto na região de Lisboa o dinheiro resultante do trabalho de milhões de trabalhadores em Portugal que sacrificam o seu tempo para produzirem riqueza e contribuem, em Portugal, através de impostos, para o aumento da receita do Estado.
Como já dizia o outro na televisão: “Isto é que vai p’ra aqui uma açorda, hein?”
*Turbulências I escrito por João Fernandes Moreira, advogado
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