Aos 76 anos, o neurologista Alexandre Castro Caldas estuda todos os dias para se manter atualizado e é com base nessa premissa que defende uma reorganização dos serviços de saúde.
A saúde hoje “não é a saúde de 1979”, quando foi criado o Serviço Nacional de Saúde (SNS), disse o médico em entrevista à agência Lusa a propósito do 45.º aniversário do SNS, que se assinala no domingo.
“Está muita coisa por fazer. Era preciso repensar tudo desde o princípio porque é tudo diferente. Pensar como é que se deve fazer, o que está feito, o que existe”, afirmou, em Arcos de Valdevez, onde ultima um livro.
Para Castro Caldas, é necessário antecipar respostas, por forma a prevenir problemas de saúde e despesas que vão recair sobre o sistema se não houver uma intervenção atempada.
“Por exemplo, o que é que aprendemos com a pandemia? Respiramos fundo, já acabou? Não. Vem mais. O que ficou preparado? Não sei se ficou. Pode ter a certeza de que daqui a dois anos ou três temos cá outra, temos uma coisa dessas outra vez”, assegurou.
O médico considera que não serão os militares a resolver situações de saúde pública. “Não é solução. Têm de ser pessoas que saibam gerir saúde. E esse é que é o problema, porque gerir saúde não é uma coisa fácil”, reconheceu.
Questionado sobre as principais alterações que acompanhou nas últimas décadas, nomeadamente na área em que se especializou, admite que a neurologia deixou de ser encarada de uma forma “um pouco contemplativa” para se tornar “uma especialidade de intervenção grande”.
“Há imensa coisa a fazer e cara. Implica a reestruturação dos serviços, prepará-los. Os hospitais públicos não estão neste momento preparados, estão pior do que os privados, e sobretudo com atrasos de solução dos problemas e isso faz-me imensa impressão. Estão ocupados com coisas que não deviam estar. Havia coisas que deviam estar a ser feitas fora”, acrescenta.
“Por exemplo, não haver urgência. A urgência ser urgência mesmo. Agora tem de se fazer tudo, tem de se fazer a urgência da dor de cabeça e ao mesmo tempo a cirurgia? Não pode ser. As pessoas têm de se diferenciar. Há uma quantidade de coisas que têm de ser feitas ao nível da proximidade”, sugere.
“Por que é que não há psicólogos nos centros de saúde, por que é que não existe a psiquiatria, por exemplo. Nunca mais se arranca com o programa de saúde mental. É um programa já todo feito, dos que está mais bem feito e não arranca. No centros de saúde não há saúde mental e os doentes andam aí perdidos pelo país”, lamenta o médico.
No mesmo sentido, Castro Caldas alerta para a necessidade de adotar um plano para a demência. “Não está a ser feito. Está a ser feito na Europa toda. Criaram-se comissões e comissões e comissões. Uma das comissões fez um papel que saiu no Diário da República. Depois de um papel um bocado disparatado, o último parágrafo era – «é necessário criar uma comissão». Acho fantástico!”.
Os problemas associados à deterioração mental, face ao aumento da longevidade, representam uma pressão cada vez maior sobre os sistemas de saúde, mas, segundo Castro Caldas, não se vislumbra resposta. “Ao fundo do túnel, não há qualquer luz que nos permita perceber que vamos ter intervenções úteis para impedir que isso aconteça, a não ser que as pessoas comecem a morrer com infeções das pandemias, que é a única maneira”, ironiza.
A sugestão do neurologista passa por aproveitar experiências que estão a ser desenvolvidas em vários pontos do país, por iniciativa da Alzheimer Portugal, associação de doentes com a qual tem colaborado.
“Vamos chamar essas pessoas, vamos sentar, reunir isso tudo e fazer. Porque é diferente tratar uma pessoa com demência em Trás-os-Montes de tratar uma pessoa no Algarve. Tem a ver com a cultura, tem a ver com as soluções. São tudo coisas diferentes. Temos é de pegar no que está feito e rentabilizá-lo, pô-lo numa rede e pôr isto a funcionar como deve ser”, desafia.
Depois de dirigir o Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Católica Portuguesa, Alexandre Castro Caldas continua a orientar doutoramentos, a dar consultas e a ser solicitado para conferências.
Foi professor catedrático na Faculdade de Medicina de Lisboa e Diretor do Serviço de Neurologia do Hospital de Santa Maria, entre outras funções dirigentes.
Ana Mendes Henriques (texto) e José Coelho (foto), da agência Lusa
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