Poucas semanas depois de ter ido ao espaço, em julho do ano passado, Jeff Bezos, o homem mais rico do mundo, lançou-se numa missão ainda mais radical e que pode vir a mudar para sempre a própria Humanidade. Longe dos radares mediáticos, o fundador da Amazon tornou-se um dos principais financiadores da Altos Labs, uma misteriosa startup criada em setembro, em Silicon Valley, com o mais ambicioso e ousado dos objetivos: encontrar o “elixir da juventude” e expandir em várias décadas a longevidade humana.
Lançada pelo milionário de origem russa Yuri Milner, que fez fortuna no Facebook, a Altos Labs recrutou alguns dos mais conceituados cientistas do mundo, prometendo-lhes total autonomia e financiamento ilimitado para investigarem uma forma de reverter o envelhecimento através da reprogramação celular. O japonês Shinya Yamanaka, que em 2012 ganhou o Prémio Nobel da Medicina ao conseguir transformar células humanas envelhecidas em células troncoembrionárias, fazendo-as rejuvenescer até ao seu estado primitivo, lidera o conselho científico da empresa. Entre os investigadores está também o biólogo espanhol Juan Carlos Izpisúa Belmonte, que há dois anos anunciou ter conseguido aumentar em 30% a esperança de vida de ratinhos a partir da descoberta de Yamanaka, fazendo com que animais em acelerado envelhecimento recuperassem a função de vários órgãos e se tornassem mais jovens e saudáveis.
Belmonte considera que o envelhecimento “não passa de desvios moleculares que ocorrem ao nível celular”. No fundo, uma “anomalia” que um dia será possível corrigir e reverter. E acredita que a esperança de vida pode ser aumentada em pelo menos 50 anos reprogramando, como se fosse um código de software, a informação genética das células. É essa a meta traçada pela Altos Labs, que não está sozinha na demanda pelo “elixir da vida”. A busca da “fórmula mágica” que nos tornará jovens para sempre ou, pelo menos, por muito mais anos transformou-se numa corrida global que está a atrair a atenção e o investimento de vários multimilionários. Já em 2013, a gigante Google lançou a Calico, uma unidade especial de investigação na área da longevidade que também conta com cientistas de elite e com a colaboração de instituições como a Universidade de Harvard e o MIT.
“À medida que as células envelhecem, perdem as suas propriedades funcionais, porque o padrão de expressão de proteínas já não é regulado da melhor maneira. Mas ao reprogramar as células com a injeção de um determinado cocktail de proteínas, elas voltam a ter um padrão transcricional e epigenético semelhante às células jovens. No fundo, trata-se de fazer um reset no relógio biológico. É essa a ideia que todas estas empresas estão a explorar, com um financiamento único na história da ciência”, explica Cristiana Pires, CEO da Asgard Therapeutics, empresa, sediada na Suécia, que fundou com mais dois cientistas portugueses e que está a desenvolver uma tecnologia de reprogramação celular destinada a fortalecer as defesas do organismo no combate ao cancro.
Ligar e desligar
Mas afinal como funciona a reprogramação? “O corpo humano tem cerca de 200 tipos de células, cada um com a sua função, como as células do coração, da pele, do fígado, etc. Mas se olharmos para o genoma, são todas iguais. O que faz com que cada tipo de célula seja diferente das outras tem a ver com os genes que estão a ser expressos (on) e que estão silenciados (off). Isso significa que se conseguirmos controlar este padrão ligando os genes do coração que estão off e desligando os genes da pele (que estão on), conseguimos transformar uma célula da pele numa célula do coração, por exemplo”, explica a investigadora.
Há 15 anos, a descoberta do japonês Yamanaka foi um ponto de viragem na história da ciência. O cientista demonstrou que, com a adição de apenas quatro proteínas, é possível fazer com que uma célula envelhecida rejuvenesça até se transformar numa célula estaminal pluripotente induzida, capaz de proliferar indefinidamente e de dar origem a qualquer célula do corpo, tal como as células estaminais embrionárias. A tecnologia começou a ser explorada como fonte de células e tecidos para transplantação e medicina regenerativa. No contexto do envelhecimento, já foi aplicada com sucesso em órgãos específicos, como o olho, um dos primeiros a deteriorar-se com o avançar da idade. Uma equipa da Escola de Medicina de Harvard anunciou, no final do ano passado, ter conseguido reprogramar células da retina de ratos que sofriam de glaucoma. E os resultados não tardaram: a doença foi revertida e os animais que tinham ficado cegos com o envelhecimento voltaram a ver. Os testes em humanos ainda não começaram, mas os investigadores acreditam que, graças a esta técnica, será possível vir a curar uma das principais causas de cegueira.
Se os cientistas aprenderem a dominar este processo de “ligar e desligar” os genes das células de uma forma global, o relógio biológico do organismo pára de contar e o tempo pode mesmo voltar para trás, tornando jovem um corpo envelhecido. Mas há riscos em aplicar a reprogramação a todo o organismo e não apenas a um órgão específico: se as células se diferenciarem de forma descontrolada, podem originar tumores, como acabou por acontecer aos ratinhos numa das experiências de Belmonte. Ainda assim, acreditam os investigadores, será uma questão de tempo. O debate já não é sobre se será possível parar o envelhecimento, mas quando é que isso acontecerá. “Não se trata de ficção científica. Existem dados convincentes que nos indicam que é possível, mas ainda é preciso bastante tempo de investigação até conseguirmos fazê-lo de forma controlada. Diria que dificilmente esta estratégia pode chegar a uma fase de ensaios clínicos antes de 8-10 anos”, estima Cristiana Pires.
Lino Ferreira, investigador do Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra e coordenador do Grupo de Terapias Avançadas, que se dedica ao desenvolvimento de novas terapêuticas para doenças associadas à idade, aponta para o mesmo horizonte temporal: “O que se está a tentar fazer é expandir significativamente a longevidade humana, isto é, o limite biológico do organismo. Nunca existiu um nível de financiamento como agora e por isso é natural que se note uma grande aceleração na investigação nesta área. Acredito que vamos conseguir ver progressos significativos nos próximos 10 anos.”
A tese de que o envelhecimento não é um processo natural inevitável, mas antes uma doença em si mesma que pode vir a ser tratada, está a ganhar cada vez mais força entre os investigadores, diz o especialista. “É uma total mudança de paradigma.”
Dádiva ou maldição?
No último século, a esperança média de vida nos países desenvolvidos mais do que duplicou. Apesar de a proporção de pessoas que vivem até aos 100 anos ser ainda muito pequena, o número está a aumentar de forma acentuada. No ano 2000 havia cerca de 180 mil centenários em todo o mundo.
Em 2050 estima-se que venham a ser, pelo menos, 3,2 milhões.
Ninguém duvida de que a barreira do centenário irá tornar-se vulgar. E se vingarem as previsões científicas mais otimistas, como as que apontam para a meta dos 150 anos, pode mesmo vir a transformar-se num aniversário como outro qualquer.
Mas sem alterações profundas na sociedade o “elixir da longa vida” pode ser uma maldição. Em vez de ser encarado como uma dádiva, o aumento continuado da esperança de vida tem sido visto muitas vezes como uma ameaça letal aos sistemas de saúde e segurança social, cada vez mais sobrecarregados pelo peso de uma população crescentemente envelhecida, dependente e fragilizada por doenças crónicas.
Hoje, aos 65 anos cada português pode esperar viver, em média, mais 20. O problema é que, desses, só 7,9 anos, no caso dos homens, e 6,7, no caso das mulheres, serão saudáveis, livres de doença e incapacidade. Por isso, defende Cristiana Pires, “o foco (da investigação científica) tem de estar em melhorar a qualidade de vida e não em estendê-la”. É isso que se tenta fazer na Asgard Therapeutics, que aposta na reprogramação celular para estimular o sistema imunitário na luta contra o cancro, criando células dendríticas, que constituem a primeira linha de defesa do organismo contra o agressor, ajudando a reconhecê-lo e a sinalizá-lo. A ideia é reprogramar as células cancerígenas do próprio doente e usá-las como imunoterapia. “Acreditamos que poderá trazer uma solução aos muitos doentes com cancro que ainda não respondem às imunoterapias atuais”, diz. O objetivo é entrar em ensaios clínicos dentro de quatro a cinco anos.
Já a equipa de Lino Ferreira, na Universidade de Coimbra, tem-se dedicado a estudar a reprogramação de células no cérebro, transformando em neurónios células que não têm função útil. Outra linha de investigação centra-se na utilização de pequenas moléculas que eliminam células danificadas, atenuando o efeito do envelhecimento. Doenças neurodegenerativas, como o Alzheimer, por exemplo, poderão estar a poucos anos de uma cura graças a este tipo de tecnologias, acredita.
Mesmo que o foco da investigação não seja estender em décadas a longevidade humana, como pretende a Altos Labs, uma “injeção de fundos desta magnitude vai promover anos de ouro” na história da investigação científica, congratula-se Cristiana Pires: “Vamos abrir portas para novas terapias que tratam o envelhecimento, mas também o cancro e tantas outras doenças relacionadas.”
O progresso destas técnicas rumo a uma medicina cada vez mais personalizada e eficaz fará, inevitavelmente, prolongar a esperança de vida. Até quando e com que consequências ainda é uma incógnita. E resta saber até que limite é vantajoso fazê-lo, ressalva a investigadora. “Há muitas questões ético-filosóficas que se levantam. Não sei se é sequer desejável esticar a longevidade para além dos 120 anos. Pessoalmente, não gostaria de viver mais do que isso. Acho que a vida é um ciclo e temos de dar lugar às pessoas que vêm a seguir.”
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL