Ainda a recuperar a atividade afetada pela pandemia, o Serviço Nacional de Saúde (SNS) já custa quase 15 mil milhões de euros, mas a reivindicação de medidas estruturais tem aumentado de tom nos últimos meses.
Para hoje está agendada uma marcha em Lisboa, Porto e Coimbra contra a “degradação do SNS”, convocada por vários sindicatos e que contará com a participação de movimentos de utentes, que reivindicam um “investimento sério” neste serviço público criado em 1979.
Eis algumas perguntas e respostas sobre a atual situação do SNS:
1. QUANTO CUSTA O SNS?
O Orçamento do Estado para 2023 contemplou um aumento de 1.177 milhões de euros do montante global para o setor da Saúde, que terá uma despesa total consolidada de 14.858 milhões de euros este ano.
A despesa com pessoal do SNS aumentou cerca de 241 milhões de euros este ano devido a novas contratações e alterações remuneratórias, totalizado agora 5.475 milhões de euros, “a mais elevada de sempre”, de acordo com o Ministério da Saúde.
Além do pessoal, o ministério prevê gastar 8.112 milhões de euros com a aquisição de bens e serviços, que representam quase 55% do total da despesa orçamentada para 2023, destacando-se a compra de medicamentos, de dispositivos médicos e os meios complementares de diagnóstico e terapêutica.
A distribuição da despesa total consolidada para 2023 indica que os hospitais serão responsáveis por 52,9% desses gastos, num montante de 7.867 milhões de euros, seguindo-se os cuidados de saúde primários, que representam 29,5% da despesa prevista.
Em termos comparativos, em 2019 foram orçamentados para o SNS cerca 11 mil milhões de euros, montante que tem vindo a subir deste então até aos 14,8 mil milhões, assim como as despesas com pessoal, que passaram dos 4.239 milhões de euros para os atuais 5.475 milhões atuais.
2. QUAL O PESO DOS HOSPITAIS PÚBLICOS NOS CUIDADOS DE SAÚDE NO PAÍS?
De acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), os hospitais públicos ou em parceria público-privada continuaram, em 2021, a ser os principais prestadores de serviços de saúde aos portugueses, assegurando 86,2% dos exames complementares de diagnóstico e terapêutica, 84,2% dos atendimentos em urgência, 72,3% dos internamentos, 72,1% das cirurgias em bloco operatório e 63,2% das consultas médicas.
3. QUANTOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE TEM O SNS?
Segundo o portal da transparência do SNS, em fevereiro trabalhavam nas unidades de saúde públicas 21.325 médicos especialistas e 11.435 internos.
Na mesma altura, o SNS tinha 50.840 enfermeiros, 979 técnicos superiores de saúde e 9.780 técnicos de diagnóstico e terapêutica.
No total, o SNS somava, em fevereiro de 2023, 152.170 profissionais, quando no mesmo mês de 2019 eram 130.950.
Recentemente, o ministro da Saúde, Manuel Pizarro referiu que, em números absolutos, existem atualmente mais 25 mil profissionais de saúde do que no final de 2015, passando de 125 mil para mais de 150 mil.
Segundo um relatório dos investigadores Pedro Pita Barros e Eduardo Costa sobre os recursos humanos na saúde, divulgado em fevereiro, os médicos perderam 18% do poder de compra entre 2011 e 2022, uma redução que foi menor no caso dos enfermeiros — 3%.
4. COMO ESTÁ O SNS A RECUPERAR APÓS A PANDEMIA?
Depois de, em 16 de março de 2020, o Ministério da Saúde ter determinado a suspensão da atividade programada não urgente do SNS, em resposta ao aumento de pressão causado pela pandemia, as unidades de saúde pública têm vindo a recuperar essa atividade assistencial.
Segundo o ministro Manuel Pizarro, o SNS desenvolveu em 2022 a “maior atividade assistencial da sua história, com os hospitais públicos a baterem o recorde” de consultas médicas e cirurgias.
Nos hospitais do SNS “foi batido o recorde” das consultas médicas, com um total 12.770.000 em 2022, e foram feitas 758.313 cirurgias, um aumento de 7%, de acordo com Manuel Pizarro.
Já ao nível dos cuidados de saúde primários, o número de consultas presenciais aumentou, entre 2021 e 2022, 19% para 17.271.000.
No entanto, a Entidade Reguladora da Saúde alertou em abril que o cancelamento da atividade programada devido à pandemia levou a um aumento de mais 45 dias do tempo médio de espera para cirurgia no SNS.
De acordo com o regulador, com este aumento de 45 dias devido aos adiamentos por vários motivos, a média de tempo de espera efetivo para cirurgia subiu dos 114 para os 159 dias nos hospitais públicos.
Em dezembro de 2022, estavam inscritos no Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia (SIGIC) 231.281 doentes, mais cerca de 23 mil do que um ano antes.
5. QUAIS AS REIVINDICAÇÕES DOS ENFERMEIROS?
A ordem e vários sindicatos dos enfermeiros coincidem na necessidade de o Ministério da Saúde iniciar negociações para a revisão da carreira, reivindicando uma atualização da grelha salarial e a redução da idade de reforma, entre outras medidas.
Além disso, os enfermeiros, que têm realizado várias greves e manifestações de protesto em diversos pontos do país, reclamam melhores condições de trabalho, a contratação de mais profissionais e uma “justa e legal” contagem de pontos para efeitos de progressão na carreira.
Em novembro de 2022, o Conselho de Ministros aprovou, após várias reuniões com os sindicatos, um diploma referente à contagem de pontos na avaliação do desempenho e que descongelou a progressão salarial dos enfermeiros do SNS, mas os sindicatos têm denunciado “irregularidades” na sua aplicação.
Nas contas iniciais do ministério, este decreto-lei deveria abranger cerca de 20 mil enfermeiros que subiriam uma ou duas posições remuneratórias, com o pagamento de retroativos a janeiro de 2022, mas, na prática, tinham sido reclassificados 17 mil até este mês.
6. QUAIS AS REIVINDICAÇÕES DOS MÉDICOS?
Há vários meses que sindicatos dos médicos e Ministério da Saúde estão em negociações, mas sem acordo para já, após muitas reuniões no âmbito de um processo que deve terminar em junho, conforme previsto no calendário negocial.
À medida que decorre esse tempo, o Sindicato Independente dos Médicos (SIM) e a Federação Nacional dos Médicos (FNAM) têm criticado a falta de propostas concretas do Governo sobre as matérias em discussão, salientando que não abdicam da revisão das grelhas salariais neste processo.
As negociações tiveram o seu início formal já com a equipa do ministro Manuel Pizarro, mas as matérias a negociar foram acordadas ainda com a anterior ministra, Marta Temido, que aceitou incluir a grelha salarial dos médicos do SNS no protocolo negocial.
Em cima da mesa estão, assim, as normas particulares de organização e disciplina no trabalho, a valorização dos médicos nos serviços de urgência, a dedicação plena prevista no novo Estatuto do SNS e a revisão das grelhas salariais.
No início de março, os médicos realizaram uma greve de dois dias para exigir a valorização da carreira e das tabelas salariais, convocada pelos sindicatos que integram a FNAM, mas que não contou com o apoio do SIM, que se demarcou do protesto, alegando que não se justificava enquanto decorrem negociações.
Apesar desta divergência, os dois sindicatos têm exigido medidas estruturais urgentes e melhores condições de trabalho para permitir fixar e captar mais médicos para o Serviço Nacional de Saúde (SNS).
7. O QUE MUDA NO SNS COM O NOVO ESTATUTO?
Criado em 1979, o SNS conta com um novo Estatuto que pretende organizar melhor o seu funcionamento, dar mais autonomia aos hospitais e garantir maior motivação aos seus profissionais.
São 106 artigos que vêm substituir o anterior Estatuto que estava em vigor desde 1993 — há 30 anos -, mas também adequar o SNS à nova Lei de Bases da Saúde, aprovada em 2019, e que clarificou o papel e a relação entre os vários atores do sistema de saúde em Portugal.
Uma das mudanças mais visíveis foi a criação da direção executiva (DE-SNS) liderada pelo médico Fernando Araújo, a quem cabe coordenar a resposta assistencial de todas as unidades de saúde que integram o SNS, bem como a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI) e a Rede Nacional de Cuidados Paliativos (RNCP).
Para já, a DE-SNS tem procedido a alterações nos serviços de urgência do país, para responder à falta de especialistas em determinadas áreas, como é o caso da ginecologia e obstetrícia, que está a partilhar recursos e a funcionar em rede em Lisboa e Vale do Tejo desde o início do ano.