A conclusão das fases mais avançadas dos ensaios clínicos de várias vacinas anti-COVID-19 no final do ano passado abriu o caminho para que 2021 seja o ano da vacinação em todo o mundo. Assistimos a um feito inédito da ciência. Se o vírus surgiu no final de 2019 e se espalhou globalmente no início de 2020, nunca uma vacina tinha sido feita em apenas dez meses (a mais rápida, a da papeira, tinha demorado quatro anos). Milhões de pessoas já foram inoculadas em numerosos países. Israel tem sido o “campeão” da vacinação, com o maior número de doses por 100 habitantes. Na Europa quem vai à frente é o Reino Unido, estando Portugal muito próximo da média da União Europeia.
A 2 de Dezembro passado o Reino Unido aprovou a vacina da BioNTech-Pfizer, desenvolvida por um consórcio entre uma pequena e relativamente recente empresa biotecnológica alemã e uma mais do que centenária multinacional farmacêutica sedeada nos EUA, tornando-se pouco depois no primeiro país ocidental a começar o processo de vacinação. A 11 de Dezembro as autoridades dos EUA autorizavam essa vacina. Numa decisão com impacto no nosso país, a União Europeia aprovou-a a 21 de Dezembro, tendo 27 de Dezembro sido o dia D da vacina em Portugal, com a primeira dose dada a um médico do Hospital de S. João, no Porto. Até hoje essa é vacina a que obteve mais autorizações à escala global.
A vacina germânico-americana foi a primeira a ser desenvolvida contra um coronavírus (não há ainda uma vacina contra o SARS-CoV-1, o coronavírus que originou uma epidemia no início do século XXI). Esta é também a primeira vacina de uma nova geração, baseada em material genético, a ser aprovada para utilização em seres humanos. Ela recorre ao RNA mensageiro (mRNA), uma molécula que leva informação do DNA, que está no núcleo celular, para os ribossomas, as fábricas de proteínas. Nesta vacina não é introduzido nem o vírus nem uma sua proteína, mas sim e apenas a instrução para produzir a proteína viral, que desencadeia a formação de anticorpos e de células de memória que têm um efeito preventivo da doença. A ideia do uso terapêutico do mRNA foi de uma bioquímica húngara, Katalin Karikó. Em 1990, quando trabalhava na Universidade da Pensilvânia, em Filadélfia, nos EUA, Karikó submeteu o seu primeiro projecto de uma terapia baseada em mRNA. Não foi fácil provar a validade das suas ideias e, assim, obter a concordância da comunidade científica. Mas a investigadora húngara não desistiu. Apesar da não promoção na carreira e escassez de recursos, continuou a trabalhar. Em 2005, após ter estado à beira da expatriação, publicou, com o imunologista norte-americano Drew Weissman, um artigo no qual resolvia o problema de rejeição do mRNA modificado geneticamente. Este trabalho chamou a atenção de um casal de médicos alemães de origem turca, Ugur Sahin e Özlem Türeci, que fundaram em 2008 a BioNTech em Mainz, na Alemanha. Na vacina que a BioNTech desenvolveu e a Pfizer fabricou são dadas instruções para os ribossomas fabricarem as proteínas da espícula, proteínas decisivas para que o vírus entre nas células humanas e provoque infecção. Essa proteína do vírus é feita pelas nossas células em resultado da vacina. Mas o nosso sistema imunitário reconhece-a como não sendo nossa e responde passado pouco tempo. Ao fim de duas doses separadas em regra por 21 dias, a eficácia é de 95%.
Mas há outras vacinas para além desta. Concebida nos EUA com base no mesmo princípio, existe a vacina da Moderna, uma empresa de biotecnologia com sede em Boston. Foi aprovada a 18 de Dezembro no país de origem e a 6 de Janeiro na União Europeia. Baseada numa tecnologia diferente, existe a chamada “vacina de Oxford”, por ter sido desenvolvida na Universidade de Oxford, no Reino Unido, e que é produzida pela AstraZeneca, uma empresa anglo-sueca. Esta vacina utiliza um adenovírus (vírus bastante comuns que causam constipações e sintomas parecidos com os da gripe) de um chimpanzé. Esse vírus é modificado geneticamente para não se conseguir multiplicar nas nossas células, mas o gene da proteína da espícula que lá está é lido pelas nossas células e transcrito para mRNA, sendo o resto do processo como na vacina da BioNTech-Pfizer. A vacina russa Sputnik-V é muito semelhante à de Oxford, tendo como principal diferença o uso de dois adenovírus diferentes em cada toma. Ou seja: o passageiro é o mesmo, sendo o condutor diferente. A vacina da Johnson & Johnson, uma empresa norte-americana quase tão antiga como a Pfizer, que ainda está à espera de aprovação, pertence à mesma família. Outras vacinas usam vírus inactivados (como as chinesas da Sinopharm e da Sinovac) ou introduzem diretamente proteínas ou partes delas (como a norte-americana da Novavax).
De facto, os chineses e os russos, anteciparam-se ao mundo ocidental. Em Junho a China já tinha aprovado algumas das suas vacinas para usos restritos, como o militar. E, em Agosto, a Rússia tinha aprovado, para uso de emergência, a Sputnik V. Actualmente existe, nas vacinas, uma verdadeira competição geoestratégica. Em Portugal estão autorizadas as vacinas da BioNTech-Pfizer, da Moderna e da AstraZeneca. A vacina, que a ciência proporcionou em tempo recorde, constitui neste momento a nossa maior esperança para vencer a pandemia.
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