“Consultar à distância não substitui a consulta presencial, porque não consigo fazer o exame físico, tocar, auscultar. Não é o sistema ideal, é o possível. Diria que é mais uma consultadoria. Sou cirurgião pediátrico e a maior parte dos meus doentes já tem o meu contacto, mas alarguei a quem precisar. Há muita gente a tentar contactar médicos e hospitais e não consegue. Se tiverem dificuldades ou dúvidas, estou disponível”, descreveu o médico do Serviço Nacional de Saúde (SNS) João Moreira Pinto, de 39 anos.
Jorge Ascensão, de 38 anos, assegura apoio na área de Psicologia Clínica, depois de, na sexta-feira, ter cessado a atividade presencial em três clínicas privadas, porque “o pior cenário possível seria alguém em necessidade ficar sem ajuda numa fase como a que passamos”.
O grupo público do Facebook “Médicos portugueses disponíveis para esclarecer dúvidas online – Covid-19” tinha, pelas 10:00 de hoje, 25.791 membros e, pelas 13:00, já ultrapassava os 27.700.
Os administradores do grupo são quase 30, a maior parte médicos, e querem ser eles a responder às dúvidas sobre a Covid-19, para tentar acabar com o desassossego da desinformação.
Manuel Neiva de Sousa, médico Interno de Cirurgia Maxilofacial no Centro Hospitalar de Lisboa Central, disse à Lusa que não consegue falar de números quanto a perguntas feitas e respondidas.
“Estou a fazer assistência presencial no hospital São José ou, fora do meu horário de trabalho, a tirar dúvidas e fazer aconselhamento nos grupos do Facebook. A desinformação é assustadora e não admira que o SNS24 tenha ficado congestionado. Temos um problema grande, que se prende com o número de respostas dadas por não-profissionais de saúde, muitas vezes erradas, a aumentarem a confusão generalizada”, observou.
Consultando a página do grupo, facilmente se verifica o alerta constante: “o objetivo da página é permitir obter respostas dos profissionais de saúde”, pelo que se pede contenção nas opiniões a quem não é”.
Os pedidos de esclarecimento, variados e por vezes repetidos, vão desde dúvidas sobre quais os grupos de risco aos procedimentos de quarentena para quem acabou de ser informado da morte de um familiar com coronavírus.
“A antecipação ansiosa e a catastrofização de uma crise já de si terrível não ajudam ao pensamento estratégico e racional de que necessitamos todos, agora e durante os próximos tempos. Todos pedimos alguma vez na vida uns dias para ficar em casa sem ‘levar com o chefe’, mas isto é diferente. Não escolhemos e principalmente, não está dentro do nosso controlo, terminar/resolver a situação. Tipicamente não lidamos bem com abdicar da nossa noção de controlo sobre a “nossa” vida”, alerta o psicólogo clínico Jorge Ascensão.
Cerca de 30 utentes já têm consulta ‘online’ agendada e, desde segunda-feira, os atendimentos foram, “na maioria, seguimento de consultas anteriores, com exceção de duas novas situações, com doença autoimune”.
“Por receio de sair e poderem contrair a covid-19, a consulta online revelou-se uma boa oportunidade de arrancar o acompanhamento que já pensavam procurar”, frisou.
O oftalmologista Tiago Monteiro, de 39 anos, trabalha no Hospital de Braga e em clínicas privadas e, após suspender a atividade presencial e cirurgias programadas, disponibilizou aos doentes “um número de telefone específico” para “resolver assuntos não urgentes ou esclarecer dúvidas relativas a tratamentos” em curso.
“Numa situação de exceção como a que estamos a enfrentar, parece-me apropriado tentar facilitar e agilizar o acesso do doente ao seu médico”, justifica.
O profissional alerta que “a Sociedade Portuguesa de Oftalmologia criou uma linha telefónica e um endereço de correio electrónico para que qualquer cidadão possa entrar em contacto com um médico oftalmologista e esclarecer alguma dúvida”.
Destaca, ainda, que se mantem o serviço de urgência oftalmológica nos hospitais, para atender casos urgentes.
O cirurgião pediátrico João Moreira Pinto descreve que, para além dos contactos feitos com os seus 60 doentes, para “ver pensos”, observar patologias e tranquilizar quanto a adiamentos de cirurgias, “a maior parte por mensagens ou chamadas de Whastapp apoiadas por fotografia”, recebeu até quarta-feira “30 contatos espontâneos” de pessoas que não conhecia.
“Quando não posso ajudar, encaminho para colegas”, relata.
Entretanto, a knok healthcare disponibilizou uma aplicação (knok4good) para “serviço gratuito de cuidados de saúde primários”, através de vídeoconsultas de “190 médicos voluntários de várias especialidades” que pretendem “reduzir a pressão que tem afetado o SNS e a apoiar os pacientes, que têm evitado deslocar-se às unidades de saúde”.