O projeto de revisão constitucional do PSD quer proibir na Constituição organizações com “ideologias totalitárias” e determinar que as leis sobre regiões administrativas têm de ser aprovadas por maioria de dois terços na AR, mantendo-se a obrigatoriedade de referendo.
O articulado do projeto foi esta semana enviado pela primeira vez aos deputados – no verão passado só foram apresentadas as principais linhas – e a entrega no parlamento está ainda dependente de uma conversa entre o presidente do PSD, Rui Rio, com os dois candidatos à liderança, Jorge Moreira da Silva e Luís Montenegro.
O projeto-lei agora divulgado dentro da bancada, a que a Lusa teve acesso, confirma as principais alterações à Constituição apresentadas no ano passado: redução do limite máximo de deputados de 230 para 215, a introdução da limitação de mandatos para todos os cargos políticos (incluindo deputados), a alteração da duração das legislaturas de quatro para cinco anos e dos mandatos do Presidente da República de cinco para seis (mantendo-se a possibilidade de dois consecutivos), numa proposta que reforça os poderes do chefe de Estado, que passaria a marcar a data de todas as eleições, autárquicas incluídas.
Na exposição de motivos, o projeto do PSD assume-se como “uma revisão geral do texto constitucional” e, num diploma de mais de 60 páginas, anuncia querer alterar 127 dos 296 artigos da Constituição, eliminar mais de 30 e reorganizar capítulos inteiros da Lei Fundamental.
Entre os aspetos até agora não conhecidos do projeto, o PSD propõe, por exemplo, no artigo relativo à liberdade de associação, substituir no texto constitucional a proibição de organizações “que perfilhem a ideologia fascista” por “que perfilhem ideologias totalitárias”.
Numa lógica de atualização do texto, são retiradas da Constituição as referências “à abolição do imperialismo e do colonialismo”, ao “desarmamento geral” e “a dissolução dos blocos político-militares”, mas mantém-se o preâmbulo – onde se fala em “abrir caminho para uma sociedade socialista” – que os sociais-democratas consideram não ter valor normativo, mas de “mero testemunho de certo momento histórico”.
Por outro lado, o PSD inclui entre as leis que exigem aprovação por maioria de dois terços dos deputados tudo o que se refira à criação legal de regiões administrativas, “incluindo a delimitação territorial das regiões”.
No seu projeto, o PSD mantém, contudo, inalterado o artigo que determina que a instituição em concreto das regiões administrativas depende também da sua aprovação em referendo.
Noutro ponto ainda não divulgado, os sociais-democratas pretendem alterar a formulação inscrita na Constituição sobre o segredo de justiça, que atualmente refere que “a lei define e assegura a adequada proteção” deste.
Para o PSD, passaria a vigorar na Constituição que “a lei define a extensão do segredo de justiça e assegura adequada e efetiva proteção contra a sua violação por qualquer pessoa”.
Já no artigo constitucional sobre a liberdade de expressão, o PSD introduz uma restrição à norma que consagra que todos “têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações”, acrescentando a expressão “salvo o respeito pelos direitos fundamentais”.
O projeto do PSD mantém inalterado o artigo da Constituição relativo ao direito à proteção da saúde – que gerou polémica num debate pré-eleitoral entre o líder do PS, António Costa, e Rui Rio -, que define que o SNS é “tendencialmente gratuito”.
Já na educação, os sociais-democratas querem acrescentar o ensino secundário “universal, obrigatório e gratuito” (até agora apenas está inscrita na Constituição essa obrigação para o ensino básico), bem como a criação de “um sistema público” de educação pré-escolar.
Na mesma área, o PSD quer alterar o artigo que refere que “o Estado criará uma rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades de toda a população”, passando a Constituição a prever que o Estado se compromete a assegurar “a cobertura das necessidades de ensino de toda a população através de uma rede de estabelecimentos públicos, particulares ou cooperativos”.
No capítulo fiscal, o projeto prevê que a determinação já expressa de que “ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição” se aplique também a “taxas e demais contribuições financeiras”, ao mesmo tempo que retira da Lei Fundamental a expressão “onerar os consumos de luxo” dos objetivos da tributação do consumo.
Entre as propostas já conhecidas publicamente, são concretizadas no projeto-lei a introdução de “um limite plurianual de endividamento público” na elaboração do Orçamento do Estado e a possibilidade de ser decretado o estado de sitio ou emergência por razões de saúde pública, em termos a fixar numa lei de emergência sanitária.
Na mesma linha, inclui-se na lista de razões que permitem a privação de liberdade o confinamento ou internamento por razões de saúde pública “decretado ou confirmado por autoridade judicial competente”.
Na área da justiça, o PSD quer reduzir de 48 para 24 horas o tempo máximo de detenção sem apreciação judicial e equiparar a prisão domiciliária à prisão preventiva, para efeitos de garantias constitucionais.
Na organização política, introduz-se a possibilidade de se determinar como sanção para crimes cometidos por titulares de cargos políticos a inelegibilidade para mandatos ou cargos subsequentes, outra ideia já anunciada no verão passado.
No projeto do PSD, o Presidente da República passaria a nomear o governador do Banco de Portugal, os presidentes das entidades reguladoras e a designar dois juízes do Tribunal Constitucional (retirados aos atualmente indicados pelo parlamento).
O PSD pretende também alterar alguns prazos eleitorais – diminui de seis para três meses o período em que é vedada a dissolução da AR – e introduz na Constituição a possibilidade de não deputados integrarem comissões parlamentares de inquérito ou outras com competências na área da transparência e ética.
A proibição de “nomeações definitivas por governos de gestão”, a alteração da composição dos Conselhos Superiores do Ministério Público e da Magistratura (com maioria de não-magistrados) e a possibilidade de coincidência de referendos com eleições (acabando a obrigação de participação mínima de metade dos eleitores recenseados para ser vinculativo) são outras das alterações já anunciadas e que agora são vertidas no projeto-lei.