O tema tinha ficado pendente desde a legislatura passada, quando a despenalização da morte medicamente assistida esbarrou no Tribunal Constitucional e o diploma foi devolvido à Assembleia da República por Marcelo Rebelo de Sousa, com reparos precisos e instruções circúrgicas. À primeira oportunidade, o Bloco de Esquerda insistiu no tema logo que o novo Parlamento tomou posse e agora é a vez do PS fazer o mesmo: com apenas duas alterações, os socialistas acreditam que é desta que a lei da despenalização da eutanásia é aprovada na AR e promulgada pelo Presidente da República.
O objetivo é apressar os trabalhos: votar na generalidade logo que a discussão do Orçamento termine, entre o final de maio e junho, apressar o trabalho da especialidade (sem repetir audições “redundantes”) e conseguir que o diploma seja aprovado em votação final em setembro, logo que o Parlamento regresse de férias. Foi essa a posição transmitida aos jornalistas no final desta manhã pelo líder parlamentar do PS, Eurico Brilhante Dias, e pela deputada Isabel Moreira.
“Não vamos voltar a repetir processos redundantes. Faremos o processo legislativo normal, mas insisto que estamos apenas a responder ao veto político do Presidente da República, que é muito circunscrito a uma questão lexical e de definição do perímetro conceptual, por isso vamos aproveitar todo o acervo de auscultação que este projeto de lei já tem das três últimas legislaturas”, disse Eurico Brilhante Dias, mostrando vontade de pôr o diploma a votos em junho, para a primeira votação, e depois em setembro, para a votação final.
Em causa está o facto de Marcelo Rebelo de Sousa ter vetado o diploma, em novembro do ano passado, com uma dúvida específica sobre os conceitos de “doença grave” e “doença fatal” referidos no diploma inicial. “O Presidente da República pede que a Assembleia da República clarifique se é exigível ‘doença fatal’ [para a prática da eutanásia], se só ‘incurável’, se apenas ‘grave'”, dizia Marcelo na altura. É a essa questão que agora o PS procura responder (tendo o BE já feito o mesmo).
Acontece que o Presidente da República, na altura do veto, alertava os deputados para o facto de virem a abdicar da exigência de a doença ser fatal, afirmando que se o fizessem estariam a ampliar o universo de permissão da morte medicamente assistida. E nesse caso, poderia estar a caminhar-se para uma “visão mais radical ou drástica” do conceito de eutanásia.
Mesmo assim, os deputados socialistas abdicaram do termo “doença fatal”, ficando apenas o conceito de “doença grave e incurável” (e não doença grave ou incurável) como requisito para a prática da eutanásia. Por doença grave e incurável entende-se “doença que ameaça a vida, em fase avançada e progressiva, incurável e irreversível, que origina sofrimento de grande intensidade”. A mesma alteração foi feita pelo Bloco de Esquerda, que também reformulou o conceito de “doença grave”, retirando as referências a “doença fatal”.
Além desta alteração, contudo, o PS “aproveitou ainda a oportunidade” para retirar do texto todas as referências a “antecipação da morte”, substituindo-as por “morte medicamente assistida”, explicou Isabel Moreira, uma alteração que não consta do projeto de lei reformulado pelo Bloco de Esquerda e apresentado no início de abril.
“Fizemos apenas duas clarificaçãoes formais, nada mais”, disse a deputada, mostrando-se convicta de que será suficiente para, desta vez, passar no crivo do Presidente e do Tribunal Constitucional.
No entender do PS, contudo, uma coisa não invalida a outra. “Este texto resulta de uma consensualização quer do PS, como do BE, do PAN, da IL e do PEV, que tinha assento na Assembleia na altura. Olhamos para as iniciativas de outros partidos como iniciativas que fazem parte deste processo [conjunto]”, disse Brilhante Dias em resposta aos jornalistas, sugerindo que não haverá problemas na votação.
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL