A força com que os partidos de direita radical se tinham afirmado a nível internacional fazia contrastar o “excecionalismo ibérico” que parecia resistir aos movimentos. Agora, ainda que tenha demorado por causa da memória viva de duas ditaduras de direita, assistimos à perda da imunidade contra estas mudanças.
A ascensão do Partido CHEGA como terceira força política com representação parlamentar, pelos resultados das últimas eleições, proporcionou o quadro eleitoral ideal para o lançamento do livro O Fim da Vergonha, de Vicente Valentim. O cientista político propõe-nos uma explicação empiricamente fundamentada para aquilo que chama “teoria da normalização” da direita radical não só nacional, mas também internacional. A edição publicada em Abril deste ano, desconstrói-se em três fases que o autor enumera: a fase da latência, a fase da ativação e a fase da revelação.
A explicação por detrás do sucesso do CHEGA nas eleições
A primeira etapa explicativa desta banalização extremista conta com um estigma forte contra a direita radical e o consequente receio do eleitorado demonstrar publicamente estas inclinações políticas, sob pena de se encurralar em sanções sociais. O autor não considera que seja fruto de uma mudança nos valores contemporâneos, como instintivamente se pensaria, mas um adormecimento voluntário destas ideias que já se encontram no íntimo das pessoas. Aponta que as pessoas se escondem numa falsificação de preferências.
Perante esta ocultação arbitrária, a classe política subestima o movimento e distancia-se ou não investe. Estes partidos disfrutam, portanto, de políticos menos competentes e de níveis de publicidade mediática menores do que outros partidos.
A despeito de a fase anterior se poder prolongar por longos períodos de tempo, segue-se uma etapa de ativação como repercussão de certos acontecimentos, por exemplo, choques migratórios, ameaças à soberania, crises económicas ou maiores níveis de euroceticismo. Lançam-se no mercado ideias disruptivas, que deixam transparecer as ideias anteriormente falsificadas pelo eleitorado. Os “empreendedores políticos”, que se apercebem desta janela de oportunidade para serem os primeiros a representar eficazmente essas ideias, usam a retórica e a persuasão para se afirmarem no sistema partidário. Mobilizam o eleitorado através da demonstração do desacordo e só assim conseguem garantir “que fica com a perceção de que um voto neles é um voto para acabar com essas normas”. No caso de André Ventura, ao concorrer para as eleições autárquicas como candidato do PSD no concelho de Loures, que padecia de várias tensões relacionadas com a comunidade cigana, iniciou um tratamento depreciativo desta minoria com o claro objetivo estratégico de obter dividendos eleitorais. O menosprezo pelo “politicamente correto”, o preconceito com a deputada Joacine Katar Moreira e com os muçulmanos que prometeu “enviar de volta para os seus países” (na rede social X) não passavam de esforços conscientes para ativar as ideias de direita radical, que o eleitorado infelizmente assentiu. A última etapa inicia-se com o êxito eleitoral e consequente assento parlamentar. Aos olhos das pessoas, as expressões públicas de direita radical normalizam-se, motivados pelo orgulho dos seus apoiantes nesses resultados, o que, paralelamente atrairá uma classe política mais competente e com experiência em partidos mainstream. Observe-se a mudança de algumas figuras políticas de outros partidos, que acabaram por se filiar no CHEGA. A título de exemplo, o deputado algarvio Rui Cristina (anteriormente PSD). Desencadeia-se um desenvolvimento das frações internas à medida que o partido vai crescendo, o que provoca um aumento da capacidade mobilizadora, que o autor não prevê que cesse.
Por conseguinte, perante o êxito daquele que é o primeiro partido de direita radical a entrar no Parlamento português no pós-25 de abril, Vicente Valentim alerta-nos para a improbabilidade de reversão deste processo de normalização e propõe programas governamentais capazes de aumentar a resiliência dos sistemas democráticos, protegendo-os.
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