Iniciados a 2 de janeiro, em plena ‘semana de contenção’ para mitigar os contágios de covid-19, os debates adquiriram um lugar central na pré-campanha, transmitidos nos canais generalistas e cabo, e permitiram aos protagonistas esgrimirem argumentos, marcarem a agenda e perspetivarem cenários de governação no pós-eleições. Isto apesar do mar de críticas ao pouco tempo disponível nestes formatos de debate curto, com pouco espaço para aprofundar a agenda política de cada candidato.
No total, 30 debates colocaram frente a frente nove dirigentes partidários – fruto da entrada, em 2019, da Iniciativa Liberal, Chega e Livre na Assembleia da República –, num formato curto de 25 minutos que foi criticado por politólogos ouvidos pela Lusa por gerar “menor atenção” e ter “pouquíssimo impacto” direto na decisão de voto.
De início essencialmente focados em torno do tema da governabilidade, os confrontos televisivos centraram-se progressivamente em propostas, tais como a da criação de um Rendimento Básico Incondicional (avançadas pelo Livre e pelo PAN), uma taxa única de IRS (pela IL e Chega), a semana de quatro dias de trabalho, que o PS disse querer ponderar.
No primeiro debate em que participou, em 3 de janeiro, Rui Rio e André Ventura discutiram a prisão perpétua, com o líder social-democrata, contrário àquela medida penal, a apontar, contudo, para as diferentes modalidades em que se processa na Europa, precipitando a primeira polémica de pré-campanha.
No dia seguinte, António Costa divulgou um vídeo nas redes sociais em que acusava o líder social-democrata de se dispor a “transacionar” valores humanistas por “conveniência ou necessidade eleitoral”.
Procurando sempre demarcar-se do líder social-democrata, António Costa foi também clarificando os planos que tem para o pós-eleições, designadamente nos confrontos que o opuseram aos seus antigos parceiros de esquerda, Bloco de Esquerda e PCP.
No único debate em que Jerónimo de Sousa participou – além de se ter recusado a participar nos debates que não foram transmitidos em canal aberto, o secretário-geral do PCP foi depois operado de urgência, tendo sido substituído na campanha por João Oliveira e João Ferreira –, António Costa apresentou-se de semblante cerrado, acusando o PCP de ter precipitado a crise política e afirmando que não sente atualmente confiança na ‘geringonça’.
Frente à coordenadora do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, o atual primeiro-ministro foi mais além e afirmou que, caso não obtenha a maioria absoluta, não se irá demitir, tendo acrescentado, no debate com o líder do PSD, que, no cenário de uma vitória com maioria relativa, ponderará um entendimento com o PAN e admite governar como o ex-primeiro-ministro António Guterres, negociando “diploma a diploma”.
Face a esta postura de António Costa, os parceiros da esquerda mantiveram-se disponíveis para uma renovação da geringonça, com Catarina Martins a referir que o acordo escrito entre 2015 e 2019 “deu estabilidade” e a considerar que é aí que se deve voltar, e Jerónimo de Sousa a dizer que não faz “futurologia”, mas manifestando uma “posição construtiva”.
No espectro da direita, o PSD, CDS-PP e IL apresentaram divergências programáticas, mas manifestaram-se todos abertos a um entendimento de governação, recusando todos entendimentos com o Chega.
No debate frente a Francisco Rodrigues dos Santos, Rui Rio aconselhou os eleitores a votarem no CDS caso não queiram votar nos sociais-democratas e afirmou que, em caso de vitória no dia 30, os centristas serão os primeiros com quem procurará dialogar.
No confronto televisivo com o presidente da IL, João Cotrim Figueiredo, o líder social-democrata reconheceu que há divergências nas propostas dos dois partidos, mas considerou que, tendo em conta que atualmente há “tanto socialismo” e “tanto Estado” em cima da sociedade portuguesa, “a convergência não é difícil”.
Maioritariamente feitos em tom cordial, houve também momentos mais tensos, designadamente durante o debate que opôs André Ventura a Francisco Rodrigues dos Santos, com o líder do CDS a acusar o seu interlocutor de ser um “fanático” que “preside a uma interjeição”, e Ventura a criticar o centrista por encarnar a “direita mariquinhas” e ser um “menino mal preparado”.
Seguidos por milhões de portugueses – o debate mais visto, que opôs Rui Rio a António Costa e foi transmitido em todos os canais generalistas, contabilizou 3,3 milhões de telespetadores, seguido dos debates entre António Costa e Francisco Rodrigues dos Santos e entre Catarina Martins e Rui Rio, ambos com uma audiência média de mais de 1,5 milhões –, a preponderância dos confrontos televisivos na pré-campanha levou o Presidente da República a considerar que tinham sido “muito esclarecedores, muito amplos, como nunca houve em tempo pré-eleitoral”.
“A comunicação social está de parabéns, mas também os protagonistas partidários, os partidos políticos e seus dirigentes”, elogiou Marcelo Rebelo de Sousa. Resta saber se a abstenção será mais baixa.