O partido espanholista Vox convocou para o próximo domingo uma manifestação diante dos municípios de todo o país, com um mapa que inclui Portugal no território espanhol – tal como fizera, em 1939, o partido fascista da Falange, avança a RTP.
A manifestação convocada pelo Vox, sob o lema “España existe”, reclama “um Governo que respeite a Constituição e a soberania” e protesta contra a formação do Governo PSOE-Podemos, em colaboração com a ERC (Esquerda Republicana da Catalunha).
A plataforma digital que primeiro fez notar a gaffe de incluir Portugal no mapa de Espanha sublinha igualmente o facto de esse mapa ignorar territórios insulares ou coloniais ainda hoje sob administração espanhola, como as Baleares, as Canárias ou as cidades marroquinas de Ceuta e Melilla.
Nas redes sociais, a tónica dominante das reacções à derrapagem da extrema-direita tem sido o sarcasmo. Uma dessas reacções refere que “estes imperialistas antiquados já estão a anexar Portugal”. Uma outra diz que “mais um pouco e põem o nome de Espanha também na França”.
Outro utilizador do Twitter pergunta jocosamente: “Ainda há lugar no autocarro para o município de Lisboa?”
Antecedentes da pretensão anexionista
As pretensões da direita espanholista a anexar Portugal têm uma longa pré-história. No início da guerra civil de Espanha, Salazar contribuiu de modo decisivo para salvar os golpistas nacionales, dirigidos por Francisco Franco, quando uma sublevação operária derrotou a conjura nos principais centros urbanos.
O ditador português imediatamente isolou o embaixador republicano, Claudio Sánchez-Albornoz, encaminhando-se a curto prazo para uma ruptura de relações diplomáticas. Embora não pudesse imediatamente reconhecer a Junta Militar de Burgos, porque esta falhara na tentativa de conquistar Madrid, comportou-se na arena internacional como uma espécie de representante informal dessa Junta, que lhe valeu a alcunha sarcástica de “ministro dos Negócios Estrangeiros de Burgos”.
Um dos primeiros objectivos militares de Franco foi ocupar Badajoz, junto à fronteira portuguesa, para poder passar a receber por essa fronteira uma decisiva ajuda militar alemã. A Alemanha nazi, prometendo no comité de Londres, manter-se neutral não podia fornecer directamente armas a Franco e então registava-as como sendo exportadas para Portugal.
Apesar da enorme dívida política que tinha para com Salazar, o bando antirepublicano logo começou a congeminar como faria depois da guerra civil para anexar o país vizinho. Franco nunca se pronunciou publicamente a esse respeito, mas deixou correr as tiradas anexionistas da Falange, o partido fascista dirigido pelo seu cunhado Serrano Suñer.
Assim, na fase final da guerra civil a Falange já anunciava abertamente a intenção de recuperar todo o território espanhol até aos limites extremos da sua “fronteira ocidental”, que logo explicava ser a costa oeste de Portugal. Os mapas distribuídos pela Falange ignoravam a existência de Portugal e representavam toda a Península Ibérica unida sob a administração madrilena.
Franco entretanto, apesar do seu silêncio oficial sobre o tema, não perdia tempo. Segundo documentos recentemente descobertos pelo historiador espanhol Manuel Ros Agudo, chegou a haver uma ordem de batalha, assinada pelo “caudillo”, para ocupar Portugal no início da Segunda Guerra Mundial – com divisões destinadas a marcharem sobre Lisboa, Porto e outras cidades, e com rotas previstas para o avanço dessas divisões.
Mas a Alemanha nazi hesitava em comprometer-se com mais um teatro de guerra, no momento em que já tinha em preparação o ataque de surpresa contra a União Soviética. Pelo mesmo motivo que não encorajou a tomada de Gibraltar, fez sentir a Franco que não contasse com o seu apoio face à previsível retaliação britânica, noticiou a RTP.