A candidata presidencial Ana Gomes considera que o Governo deve avançar para a requisição civil do setor privado e das parcerias público-privadas (PPP) da saúde caso se chegue a uma situação de emergência com a covid-19.
Numa entrevista à agência Lusa, que será divulgada no sábado, a ex-eurodeputada socialista disse também concordar com o “abanão” defendido pelo primeiro-ministro, António Costa, e que este deve ponderar todas as medidas caso se assista a um aumento exponencial da pandemia, incluindo o regresso ao confinamento.
“Se o país chegar a uma situação de tremenda exigência do Serviço Nacional de Saúde, o Governo deve considerar uma requisição dos meios que hoje estão alocados aos privados e às PPP, que não podem estar à margem do esforço nacional e da emergência nacional, seja para tratamento de casos covid-19, seja para lidar com os casos não covid-19 que estão a ser deixados para trás por causa da situação sanitária. É uma prioridade para o Estado”, frisou Ana Gomes.
Na entrevista, Ana Gomes também manifestou dúvidas sobre os objetivos concretos que constam de uma recente carta subscrita pelos bastonários da Ordem dos Médicos, em que se recomenda ao Governo uma parceria mais intensa com o setor privado da saúde.
“Se a carta dos bastonários [da Ordem dos Médicos] significa desviar recursos do Estado para os privados, isso não, de maneira nenhuma, porque já bem basta o que ocorre hoje. Não estou a falar de nacionalização, mas de requisição civil aos privados para prestarem os cuidados básicos que são necessários perante a emergência nacional de uma situação de aumento exponencial de casos que se coloque ao país”, respondeu.
A antiga dirigente socialista advertiu que não dispõe dos dados que tem o Governo sobre a evolução da pandemia de covid-19 em Portugal.
“Mas temo que, em resultado daquilo que a própria ministra da Saúde [Marta Temido] admite, que a situação esteja muito grave. Estou a ouvir vários responsáveis de hospitais a dizer que é preciso abrir hospitais de campanha para aumentar a capacidade dos cuidados intensivos. Portanto, admito que seja necessário requisitar esses cuidados que hoje existem na esfera dos privados em Portugal”, insistiu.
Questionada sobre a possibilidade de ser decretado um novo confinamento obrigatório, ou sobre a possibilidade de Portugal seguir a França no sentido de decretar um recolher obrigatório durante 12 horas, Ana Gomes citou o primeiro-ministro, quando defendeu que o país estava a precisar “de um abanão” em termos de medidas de proteção contra a covid-19.
“Estamos confrontados com uma subida assustadora do número de casos, que também se regista em outros países europeus. Sabemos que uma pandemia não conhece fronteiras. Face a isto, entendo que o primeiro-ministro deve ponderar todas as medidas, eventualmente mesmo um novo confinamento”, declarou.
Ana Gomes observou depois que António Costa está a tentar evitar um novo confinamento obrigatório, “porque sabe do tremendo impacto económico e social e até humano ao nível da própria saúde mental que isso implica para muitos portugueses”.
“O ideal seria conseguir evitar isso, mas então importa tomar medidas, que é o que penso que diz este estado de calamidade que acaba de ser decretado”, sustentou.
No atual quadro de crise sanitária, a candidata presidencial também considerou urgente a adoção de “medidas de apoio social aos setores mais vulneráveis, mais expostos aos riscos da covid-19”.
“Refiro-me que a comunidades que vivem em situação de pobreza e de insalubridade, situações que aumentam os riscos de exposição à covid-19. Ainda na quarta-feira visitei um bairro no outro lado do rio Tejo, em Almada, em frente ao Palácio de Belém, que é obviamente um problema de décadas, com uma comunidade de cerca de três mil pessoas que vivem numa situação de indignidade total. Duvido que haja meios por parte da autarquia para resolver o problema”, afirmou.
Neste ponto, Ana Gomes salientou que a situação que observou naquele bairro de Almada “é um daqueles casos em que se exige uma política de habitação social que resolva rapidamente o problema e que não permita um agravamento das condições de indignidade em que as pessoas vivem”.
“Essas condições são elas próprias potenciadoras de um rastilho covid-19”, acrescentou.