A desertificação e o despovoamento são problemas graves que “assombram” há várias décadas qualquer autarca de Alcoutim. Em entrevista ao POSTAL, o presidente da câmara municipal, Osvaldo Gonçalves, revela a sua estratégia: criar novos incentivos e condições. Avança com um ciclo de ações para aumentar o parque habitacional e fixar jovens. Garante que os estudantes que vivem em Alcoutim já poupam, até ao secundário, em média, cerca de 13 mil euros sobre alguns outros concelhos e quer mais e melhores serviços de saúde. Sobre um próximo mandato, confessou ao POSTAL que “se em 2021 sentir que posso ser útil, (…) não terei condições para fugir a essa responsabilidade”.
Lidera o Município de Alcoutim desde 2013. Que balanço faz e que desafios espera ter pela frente?
No próximo mês de setembro assinalam-se seis anos do dia em que o povo alcoutenejo me confiou a honrosa missão de dirigir os destinos de Alcoutim, o meu concelho, a terra que me viu nascer e me moldou o carácter com o qual assumo o compromisso de, todos os dias, trabalhar com a minha equipa, na concretização do programa eleito. Todas as linhas de ação que compõem este compromisso têm como objetivo primordial, o desiderato de trabalhar para as pessoas e com as pessoas, no sentido de valorizar as potencialidades que o nosso território tem para oferecer. Neste sentido, estabelecemos prioridades e temos levado a cabo um conjunto de ações que consideramos constituírem uma pegada sustentável, na medida em que, se por um lado vão ao encontro das necessidades diagnosticadas nas várias áreas de intervenção do município, por outro, representam apostas sólidas, integradas e criadas sob uma visão estratégica de âmbito regional, nacional e internacional.
O trabalho desenvolvido, tendo como base a criação de sinergias e uma criteriosa candidatura às diversas tipologias de fundos de apoio, tem no Festival do Contrabando e no Festival de Caminhadas dois exemplos claros e geradores de mais-valias no território.
Também importa referir todo o trabalho na potenciação do envolvimento dos diversos agentes económicos da região, onde as Jornadas do Mundo Rural têm tido um papel muito relevante.
Todas estas ações têm sido articuladas com os nossos parceiros regionais, através da AMAL, mas também com uma ligação ao concelho vizinho de Mértola e também numa lógica transfronteiriça, onde do outro lado do Guadiana temos um parceiro importantíssimo na nossa estratégia de desenvolvimento, o Ayuntamiento de Sanlúcar de Guadiana.
A infraestruturação do concelho também tem sido uma preocupação constante e tem sido concretizada ao ritmo dos financiamentos que conseguimos obter. Sempre com o rigor que o exercício responsável de termos “contas certas” nos impõe, não cedendo à tentação de dar passos mais largos do que a perna, e gerindo da melhor forma a articulação entre as necessidades do nosso concelho e a adaptação ao que é elegível nas programações dos fundos comunitários.
Apesar das limitações impostas em diversos âmbitos, nomeadamente a natureza por vezes obtusa dos instrumentos de ordenamento do território, considero que o balanço destes cinco anos e meio é positivo. Relativamente aos desafios que espero ter pela frente, tenho a certeza que serão muitos, tendo em conta o perfil territorial do concelho a que presido, contudo, estou certo de que teremos a capacidade de trabalho e a resiliência necessárias para os ultrapassar.
Qual o principal problema que persiste no concelho?
O concelho de Alcoutim é um concelho que sofre, desde há várias décadas de um problema grave de desertificação e de despovoamento. Este é o principal problema com que temos que lidar, diariamente, e cuja resolução não é nada fácil.
Habitação e saúde são prioridades
Restam dois anos até às próximas eleições autárquicas. Quais as preocupações e os problemas que quer ver ainda resolvidos até lá?
Entendo como prioritária, até às próximas eleições autárquicas, a resolução dos problemas relacionados com a saúde e a falta de habitação.
No que se refere à saúde, o município tem vindo a ampliar as valências e a diversificar os apoios disponibilizados à população. Contudo, não chega. É necessário que os alcoutenejos disponham de mais e melhores serviços de saúde, contando com profissionais de saúde que tenham condições para fazer um acompanhamento mais frequente destas populações, de forma a conseguirem dar resposta às suas necessidades. Estamos a trabalhar neste sentido, em articulação com a ARS e o ACES.
A falta de habitação é um problema cuja resolução representa um importante fator de incentivo à fixação de jovens no concelho e, consequentemente, contribui para o combate ao despovoamento. Sendo de uma importância basilar, na conjuntura atual, iniciámos um ciclo de ações que visam a construção de um loteamento habitacional de 26 lotes, em Martim Longo, e a construção de cinco moradias, em Alcoutim. Outras ações se seguirão, no sentido de aumentar o parque habitacional, no concelho, privilegiando as hipóteses de reabilitação urbana e permitindo que, cumulativamente, o território se mantenha apelativo aos olhos de quem nos visita, contribuindo, deste modo, para o aumento do seu potencial em termos de destino turístico.
Vem aí o Centro de Competências de Luta Contra a Desertificação. Que valências vai contemplar?
O Centro de competências na Luta Contra a Desertificação tem como missão promover o desenvolvimento e a sustentabilidade do combate à desertificação pela via do reforço da investigação, da formação, da capacitação, da promoção da inovação e da transferência e divulgação do conhecimento através do trabalho desenvolvido no cumprimento de um conjunto de objetivos, designadamente, a promoção de estratégias integradas sobre a desertificação, o apoio à criação de uma economia resiliente, reforçar a conservação e proteção do solo e promover o envolvimento da sociedade. A concretização destes objetivos permitirá a criação das condições necessárias para a intensificação da luta contra a desertificação.
As Jornadas do Mundo Rural têm debatido os problemas da baixa densidade, desertificação e alterações climáticas. Estes encontros têm permitido chegar à resolução de alguns problemas?
As Jornadas do Mundo Rural são um instrumento estratégico de promoção e desenvolvimento do nosso território, estando perfeitamente integradas na estratégia de valorização dos nossos agentes económicos. A organização destas jornadas pretende, desde a sua primeira edição, criar a oportunidade de debater, em conjunto, todas as problemáticas identificadas, lançar desafios e partilhar experiências no sentido de aprendermos a melhor forma de nos adaptarmos às condições do nosso território, tirando o melhor partido de todos os instrumentos que técnica, cientifica e financeiramente, possam estar ao serviço daqueles que vivem e trabalham no “mundo rural”. Vamos na IV edição e, ao longo destas jornadas, já se nota um aumento do peso da “massa crítica”. O que, conjuntamente com a recente parceria com o concelho de Mértola, só nos pode incentivar a continuar o trabalho que temos vindo a realizar.
O que levou o executivo e a assembleia municipal a rejeitarem as transferências de competências?
Os órgãos municipais consideram que o município não tem condições para, de imediato, assumir as competências a descentralizar, tendo em conta as especificidades e complexidade da matéria em causa, pelo que se optou por tomar uma posição prudente.
O primeiro-ministro prometeu um debate acerca da regionalização na próxima legislatura. Considera que os municípios mais desertificados como Alcoutim poderiam ser beneficiados?
Concordo que é importante promover um amplo debate sobre a regionalização. Contudo, os benefícios de um processo desta natureza dependem sempre da forma como são implementados.
De que forma pensa o executivo municipal atrair empresas? Há novos projetos em curso?
No concelho de Alcoutim, o desemprego é residual. Hoje, existe um conjunto de obras significativas onde a procura de trabalhadores por parte dos empreiteiros, junto deste alegado nicho de desempregados, esbarra no insucesso, tendo que os mesmos recorrer a trabalhadores estrangeiros.
Atualmente, para além do processo já em execução do maior parque fotovoltaico da Europa, com 200 MW de potência e um investimento de 200 milhões de euros, existem mais quatro projetos aprovados e licenciados que também vão criar cerca de 150 MW de potência. Creio que o setor da energia poderá continuar a dar um contributo bastante interessante para a criação de postos de trabalho e espero que estas novas ofertas laborais, em conjunto com os benefícios que temos nas áreas fiscal, saúde, ação social e educação, possam vir a potenciar a fixação de novas famílias no nosso concelho.
Estudante que viva em Alcoutim poupa cerca de 13 mil euros
Como considera captar e reter população jovem em Alcoutim, assim como fomentar a natalidade?
A fixação de população jovem é um dos nossos principais objetivos. Temos implementado um amplo conjunto de medidas que vão desde o Programa de Incentivo à Natalidade e Apoio à Família, até às Bolsas de Estudo para Estudantes do Ensino Superior.
De forma a dimensionarmos a amplitude dos incentivos que disponibilizamos, podemos dizer que, em média, um estudante, vivendo no concelho de Alcoutim, comparativamente a outro concelho que não tenha os nossos apoios, tem uma poupança, até ao secundário, na ordem dos 13 mil euros. E este é só um exemplo. Para além disso, o aumento da oferta em termos do parque habitacional que estamos a fazer, também visa criar melhores condições para a fixação de jovens no nosso território.
Quanto ao arrendamento que medidas concretas implementou no concelho?
No que se refere ao arrendamento, temos uma redução até 20% da taxa do imposto a aplicar aos prédios urbanos arrendados destinados a habitação permanente.
Alcoutim tem desenvolvido alguns projetos para dinamizar o turismo local, nomeadamente o Festival do Contrabando. Qual é a importância deste evento ibérico?
O Festival do Contrabando é um exemplo do conjunto de ações que temos vindo a criar para promover o território e assenta, precisamente, na solução encontrada para a necessidade de criar um evento âncora, em Alcoutim, que conciliasse a originalidade com a identidade local, que não rivalizasse com outros festivais vizinhos, mas que estivesse à altura dos mesmos, que tivesse uma expressão regional e, sobretudo, que criasse uma ligação forte com o outro lado da fronteira, conferindo-lhe assim uma expressão internacional, o que foi amplamente conseguido.
A terceira edição do Festival do Contrabando, que decorreu nos passados dias 29 a 31 de março, consolidou e reafirmou o evento como determinante na estratégia de desenvolvimento do concelho de Alcoutim e de Sanlúcar de Guadiana e das regiões do Algarve e Andaluzia, devido à capacidade de atração de milhares de visitantes durante a época baixa, que encontram neste festival um evento diferente e singular, com uma natureza própria de homenagem histórica às gentes da raia, através de um tema enraizado na memória coletiva local, regional, nacional e ibérica. Este evento, para além de corporizar um importante instrumento de promoção turística e cultural deste território, é simultaneamente um fator de relevo na dinamização da economia local.
Considera alargar as parcerias ibéricas, para além do trabalho conjunto com o município espanhol de Sanlúcar?
Nós temos desenvolvido uma proximidade com Sanlúcar que tem dado os seus frutos, quer ao nível do Festival do Contrabando, quer ao nível do Festival de Caminhadas, quer ainda ao nível de outros eventos de menor dimensão que, sendo em conjunto, depressa atingem um mediatismo muito maior e uma dimensão que sozinho nunca conseguiríamos. É este o caminho e o nosso compromisso estratégico com Espanha que queremos ver reforçado noutras áreas.
O passaporte cultural e desportivo vai avançar para a segunda edição. Os objetivos têm sido cumpridos?
A criação do “Passaporte Cultural e Desportivo” é uma ideia nova em Alcoutim. Visa promover a participação da população nos nossos eventos, aproximando-a das nossas atividades culturais e desportivas. Os objetivos têm sido cumpridos, na medida em que a adesão ao passaporte tem sido significativa, assim como a participação nas iniciativas organizadas pelo município. Os munícipes que cumprirem os requisitos previstos no “Passaporte” têm direito a um prémio simbólico, o que também pretende ser um estímulo adicional à sua participação.
Alcoutim vai aderir à Rede de Apoio às Vítimas de Violência Doméstica. De que forma vai ser implementado?
A implementação do protocolo será nos moldes que, em termos genéricos, será também feito por toda a região, uma vez que o mesmo foi assinado pelos 16 municípios do Algarve. O protocolo aposta muito na área da prevenção, com ações de sensibilização nas escolas, nos lares e com sessões programadas de apoio às vítimas através da APAV, a funcionar em estrita colaboração com o nosso Gabinete de Ação Social, Saúde e Educação.
Para lá de 2021, tem vontade de continuar a comandar os destinos de Alcoutim?
A vontade é algo que resulta do sentido de responsabilidade com que assumimos os desafios. Ter sido agraciado com a enorme honra de ser eleito Presidente de Câmara, convoca-me a uma responsabilidade enorme para cumprir, em toda a linha, os objetivos a que me propus perante os nossos concidadãos. Embora, atualmente, esteja totalmente focado no cumprimento desses objetivos, se em 2021 sentir que posso ser útil na continuidade deste trabalho e se sentir o apelo dos que me elegeram, não terei condições para fugir a essa responsabilidade.
BILHETE DE IDENTIDADE
QUEM É?
Nome: Osvaldo dos Santos Gonçalves
Idade: 51
Signo: Balança
Profissão: Bancário
Onde reside: Monte do Laborato
Tempos livres: Desportos de Natureza
Livros: “Rio das Flores”, “Equador”, “Homem de Constantinopla”, “Milionário em Lisboa”
Qualidade: Honesto
Defeito: Demasiado Otimista
Destino das últimas férias: Algarve
(Stefanie Palma / Henrique Dias Freire)