No ano de 304, o diácono Vicente foi martirizado até à morte, numa perseguição aos cristãos levada a cabo pelo Império Romano. Mais tarde, no século VIII, os seus restos mortais, vindos desde Valência, chegaram ao Promontorium Sacrum, ao Cabo de S. Vicente.
O Culto Vicentino atraía um grande número de peregrinos, sendo na altura construído um santuário, que manteve a sua vitalidade até ao século XII, quando o fanatismo religioso levou à sua destruição.
“Este executivo, sem maioria política, tem beneficiado de uma atitude condescendente da oposição. Nenhum orçamento, projeto, ou proposta relevante, deixaram de ser aprovados”.
Reportando-me a estes dois momentos, o martírio de São Vicente e a posterior destruição do santuário – que levou a que os seus restos mortais fossem resgatados e levados para Lisboa – leva-me a constatar que, ao contexto dos nossos dias, pouco evoluímos! Para tal, basta uma análise superficial e empírica à conjuntura internacional, em que motivos religiosos, de domínio territorial, económicos ou culturais, continuam a ser fatores de agressão aos Direitos Humanos.
Este ano comemoram-se os 50 anos do 25 de abril. Por vezes questiono-me como é que a ligeireza e demagogia generalizada consegue sobreviver tanto tempo em democracia, e de como a ilusão estética da comunicação e da imagem, que em nada resolve os nossos problemas, ainda consegue iludir os nossos cidadãos.
Para tal, contribuem alguns atores políticos, os que gravitam à sua volta – influenciando ou até substituindo os detentores da capacidade de decisão – mas também alguma comunicação social, que por vezes mais se parece com uma mera extensão dos gabinetes de comunicação de partidos políticos, autarquias, ou de outras entidades públicas.
A criação de dependências, e a informalidade interinstitucional exagerada, permitem que outros toldem o nosso destino e capturem as nossas instituições, fazendo com que direitos pareçam favores, subjugando as massas acríticas a dependências deliberadas, por vezes com uma interferência grosseira nas nossas vidas.
As instituições não nos pertencem, e muito menos são a nossa sala de estar, em que os nossos amigos são os convidados privilegiados para jantar à lareira.
Compete a todos os cidadãos e, especialmente, aos detentores de cargos políticos e públicos, que não se permitam tais dependências ou interferências, que desvirtuam a prossecução da missão pública.
O nosso território é de uma riqueza mitológica ímpar.
Por um lado, é referido desde a Antiguidade Clássica por escritores como Éforo, Artemidoro, Estrabão ou Avieno, onde são mencionados antigos santuários dedicados a Deuses como Hercules, Melkart e Saturno. Por outro, a história que nos está associada no âmbito da expansão portuguesa, remete-nos para a existência de monstros marinhos, que tanto atormentavam os navegadores portugueses em territórios desconhecidos.
À semelhança do passado, hoje os Deuses e os Monstros somos nós que os criamos, ou permitimos que persistam.
A falta de sentido critico, de participação, bem como o pensamento inconsciente de que um direito é um favor, leva a que alguns se arroguem na presunção de que tudo podem fazer sem escrutínio. As consequências chegam-nos sempre a jusante.
O pensamento obscuro da Antiguidade, e o pensamento de hoje, alimentam-se dos mesmos atributos: a ignorância e o medo.
Não contem com este Presidente da Assembleia para este tipo de expediente. Aceitá-lo, não se afigura sequer como uma hipótese.
É caso para citar Pitágoras: “Se me perguntares o que é a morte! Respondo-te: a verdadeira morte é a ignorância. Quantos mortos entre os vivos!”
Não será de somenos importância que nos próximos meses cada um de nós reflita sobre as causas que levaram às eleições legislativas do próximo 10 de março.
Pelas sondagens de opinião que conhecemos, e como consequência das falhas ou omissões de vários partidos políticos, temo que das próximas eleições fiquemos reféns de ideologias que em nada enobrecem ou contribuem para a nossa democracia.
Não vou tecer grandes considerações sobre a ação da câmara municipal. Porventura seria uma intervenção redundante, com especial incidência sobre as áreas mais críticas, e que carecem de atenção imediata, como a habitação, a educação ou as infraestruturas básicas, mas também a prioridade dos investimentos, a sustentabilidade ou a ação climática.
Independentemente dos constrangimentos, uns sistémicos, outros muito locais, o que é exigível em Vila do Bispo, ou em qualquer outro município, é a proatividade e uma visão estratégica e integrada.
Este executivo, sem maioria política, tem beneficiado de uma atitude condescendente da oposição. Nenhum orçamento, projeto, ou proposta relevante, deixaram de ser aprovados.
Senhora Presidente, nem todos os presidentes de câmara têm tamanha compreensão, mesmo os que têm maioria política.
Resta saber se será mérito seu, ou demérito da oposição. Tenho a legítima curiosidade em saber qual seria a sua atitude, se o executivo em permanência fosse outro, e V. Exa. estivesse na oposição.
Não será necessária grande clarividência para saber a resposta.
Estamos sensivelmente a meio do mandato, também podemos, e devemos, fazer um balanço do que tem sido o trabalho desenvolvido na Assembleia Municipal.
Será consensual que o paradigma mudou.
Recentemente, em resposta a um órgão de comunicação social, que me perguntou sobre as propostas inovadoras a cumprir neste mandato, respondi: “Só seremos inovadores a partir do momento em que estamos em pé de igualdade com os nossos pares, neste caso com a generalidade das outras assembleias municipais. Até lá o conceito não será inovar, mas sim implementar as medidas necessárias ao funcionamento regular deste órgão autárquico.”
Temos de ter a humildade para considerar que muito mais pode ser feito.
Esta Assembleia tem de desenvolver trabalho com as ferramentas de que dispõe, com vista a potenciar e desempenhar um papel pedagógico de cidadania, da promoção de uma cultura democrática, e do debate das ideias, só desta forma os munícipes irão reconhecer valor aos órgãos autárquicos e aos eleitos. O parágrafo que acabei de ler, já o repeti em várias ocasiões.
Existe um caminho a percorrer, de forma a dotar este órgão autárquico de conhecimento. Qualquer organização acrítica fica refém do que lhe é apresentado.
A falta de conhecimento leva-nos à ambivalência, com os inevitáveis prejuízos nas decisões tomadas.
O nosso trabalho, ou a falta dele, permite aos nossos munícipes um escrutínio mais informado e consciente sobre em quem depositaram a sua confiança no último ato eleitoral.
Temos de ir ao encontro das legítimas espectativas que foram criadas junto de quem nos elegeu.
Para terminar, a todos os presentes, aos que nos estão a acompanhar através das plataformas digitais, aos visitantes do nosso concelho e, em especial, a todos os trabalhadores camarários e munícipes, quero deixar uma palavra de apreço, na certeza de que estarei presente para encontrar as melhores soluções para as questões ou problemas que me forem apresentados.
Muito obrigado!
Leia também: Da reabilitação dos antigos celeiros de Vila do Bispo nasceu o museu do Celeiro da História