Ano após ano, o leque de autarquias que resolvem aliviar a carga fiscal dos seus munícipes tem vindo a alargar-se, mas em 2021, com as eleições autárquicas na agenda, bateu-se um recorde. De uma assentada, 119 municípios (39% dos existentes no país) baixaram o IMI, o IRS ou a derrama de IRC que cobram a quem lá vive, labora ou tem propriedades, abrindo mão de receita que até aqui ficava nos seus cofres. As autarquias geridas pelo PSD e pelo CDS (em coligação ou separadamente) são as que menos impostos cobram às famílias e empresas e também aquelas que, em ano de eleições, mais abriram os cordões à bolsa. Os comunistas estão no polo oposto: são os que abdicam de menos dinheiro.
Uma parte dos impostos que as empresas e as famílias pagam tem as autarquias como destino. Há receitas, cobradas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que são repartidas entre Estado central e autarquias (e regiões autónomas) e outras que são canalizados na totalidade, porque são impostos municipais. Na lista de tributos que as câmaras recebem há três — IRS, derrama do IRC e IMI (ver caixas) — sobre os quais têm poder de decisão: aplicam a taxa máxima, podem reduzi-la ou, nalguns casos, isentar os contribuintes.
Olhando para as decisões que os 308 executivos camarários do país vêm tomando, há uma conclusão que sobressai: lentamente, tem vindo a diminuir o número de autarquias que opta por não dar qualquer desconto. O IMI, que as autarquias podem fazer variar entre os 0,3% e os 0,45%, é, de longe, o imposto onde se dão mais descontos, seguido da derrama do IRC e, por fim, do IRS (ver gráfico). Só nove autarquias exigem a totalidade do imposto aos proprietários, em claro contraste com o que acontece no IRC (129 cobram o máximo) e no IRS (156 ficam com tudo). Ou seja, não só o IMI é o imposto onde menos municípios carregam, como há mais autarquias a preferir aliviar os impostos às empresas do que às famílias no IRS. Porquê?
SE O CIDADÃO VÊ, O AUTARCA MEXE
Não há respostas definitivas, mas Fernando Rocha Andrade, antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e professor universitário, arrisca algumas explicações. Desde logo, porque “as autarquias estão cheias de dinheiro”. “Quando foi feita a reforma da tributação do património, envolvendo o IMI e o IMT, a base tributária duplicou”, sendo natural que agora abram mão de uma parte da receita. Depois, porque “é mais fácil ter o IRS no máximo do que o IMI no máximo”, pois o segundo “é o imposto que tem mais saliência para o cidadão”. “O cidadão recebe uma liquidação autónoma e vê quanto lhe é cobrado.” No IRS não acontece assim.
O IRS do município vem misturado com o IRS global e é provável que as pessoas não deem por ele. Aliás, lembra Rocha Andrade, após a revisão da Lei das Finanças Locais, deixou de ser necessário as assembleias municipais aprovarem as taxas máximas — não dizendo nada, o Fisco aplica o máximo, não sendo necessário que os municípios assumam publicamente a sua opção.
Embora, como sublinha o professor universitário Paulo Trigo Pereira, os cidadãos ainda tenham “muito desconhecimento em relação ao que está nas mãos dos municípios”, sempre “é mais fácil ter o IRS no máximo do que o IMI no máximo”, defende Fernando Rocha Andrade. “Se um autarca puder ter dinheiro sem responsabilidade, tanto melhor”, resume o antigo secretário de Estado.
Quando à derrama, a explicação para o facto de haver mais autarquias a devolver IRC do que IRS, entre as quais municípios da CDU, poderá estar na sua fraca expressão. “Como a própria receita do imposto, a derrama é muito concentrada em poucos contribuintes. Para boa parte das autarquias o trade-off é pequeno”, diz Rocha Andrade.
PSD E CDS PISAM NO ACELERADOR
Em ano de eleições, houve 85 autarquias a cortar a taxa de IMI, 58 a baixar a do IRS e 18 a derrama de IRC. Algumas, como Montemor-o-Velho, Ovar, Peniche, Vizela e Vila Nova de Gaia, fizeram o pleno, reduzindo todos os impostos, outras, como Alcochete, Tavira ou Sines, só baixaram o IRS e o IMI e outras só cortaram um dos impostos para as empresas. Ao todo, nas reuniões de assembleia geral realizadas no final do ano passado houve 119 autarquias que aprovaram a descida de impostos para 2021, um número sem paralelo nos últimos anos.
Os governantes mais ativos na descida da derrama do IRC e do IRS são PSD e CDS (em proporção do total de câmaras que cada força partidária tem). Já no IMI, é a CDU que se destaca, embora os descontos sejam modestos. Ao todo, a fatia de municípios liderados pelo PSD e pelo CDS que dá benefícios fiscais às famílias e empresas é maior do que nas restantes forças partidárias. Já a CDU é a que tem menor percentual de autarquias com descontos e também o partido que menos benesses atribui (ver tabelas).
Paulo Trigo Pereira, que em 2007 liderou o grupo de trabalho para a revisão da Lei das Finanças Locais, lembra que é legítimo que os municípios não baixem os impostos, mas considera que “deverão justificar essa necessidade” de despesa acrescida. Não só por razões de transparência, mas porque, “para uma minoria (crescente) de cidadãos”, os impostos municipais pesam no momento de colocar a cruzinha no boletim.
GRANDES SÃO MENOS GENEROSOS, MAS ALGARVE É EXCEPÇÃO
Dos 16 concelhos do Algarve, apenas três cobram as taxas mínimas legais, ou seja, 0,30% de IMI e 0% de IRS e IRC: são os concelhos de Alcoutim, Loulé e Albufeira, por oposição aos que cobram mais – Vila Real de Santo António e Portimão.
Os concelhos de Albufeira e Loulé, dois dos maiores em termos turísticos do país, são dos mais generosos em oposição a outros grandes municípios portugueses.
No entanto, para Paulo Trigo Pereira não é estranho que os grandes centros urbanos sejam menos generosos. Naturalmente “mais atrativos em termos de infraestruturas e de emprego”, são “menos afetados” pela distorção causada pelos impostos e, logo, a “mobilidade na saída de residentes ou deslocalização de empresas é menor”.
Ainda assim, há pequenos concelhos do interior que destoam da média, como os distritos de Évora e Beja, e há grandes municípios que acabam por abrir mão de algum dinheiro. É o caso de Lisboa, que dá um desconto de 2,5 pontos percentuais no IRS (entrega aos moradores metade dos 5% da coleta a que tem direito), um caso ímpar entre os grandes agregados populacionais. Segue-se a Amadora, que devolve 1,2%, Vila Nova de Gaia, Sintra e Braga, que abdicam de 1% do IRS, e Oeiras, que lhes dá uns simbólicos 0,3% de volta.
As eleições autárquicas são este domingo e daqui a quatro anos voltamos a repetir as contas. Caso a tendência para conceder maiores benesses se mantenha, é possível que tenhamos um mapa autárquico mais uniforme ao nível da fatura do IRS e da derrama, tal como tem vindo a acontecer com o IMI.
Aceda aqui ao mapa interativo com os dados por Concelho
IMI. TENDÊNCIA DE COBRANÇA PELO MÍNIMO
São cada vez mais os municípios com o IMI no mínimo de 0,3%, num total de 178 câmaras, o que corresponde a 58% do universo. É neste imposto que os executivos camarários mais têm sido ‘generosos’ ao aliviarem a fatura fiscal, que pode ir até aos 0,45% do valor patrimonial tributário do imóvel. Entre 2019 e 2020 (o pagamento ocorre no ano seguinte), 72% dos municípios mantiveram a taxa do IMI e 28% baixaram o valor — entre estes 86, houve 18 que desceram ao valor mais baixo. Apenas nove câmaras têm o imposto pelo máximo — entre elas Vila Real de Santo António, no distrito de Faro, onde são cobrados 0,5%, uma exceção permitida na lei às autarquias que estão sob um programa de apoio à economia local ou em processo de ajustamento financeiro. Quanto ao IMI familiar, que dá desconto na fatura em função do número de filhos — numa poupança entre os 20 e os 70 euros —, tem sido adotado em número crescente: 253 municípios dão a benesse, criada em 2016, aos residentes com descendentes (no espaço de um ano são mais oito).
► Lisboa fixou o IMI pelo mínimo, enquanto no Porto se paga 0,32%
► Das 24 autarquias CDU, apenas nove aplicam a taxa mais baixa
► Nas seis autarquias CDS, cinco têm o imposto no valor mais reduzido (a exceção é Ponte de Lima, no distrito de Viana do Castelo, com 0,32%)
IRS ELEIÇÕES DÃO UM EMPURRÃOZINHO
Em 2007, com a revisão da Lei das Finanças Locais, as autarquias passaram a poder decidir o que fazer com 5% do IRS que lhes é transferido pelo Estado Central: se ficam com ele para gestão corrente ou se devolvem a totalidade ou parte aos moradores. Nos primeiros anos, os autarcas reagiram com timidez, mas, mais de uma década depois, o cenário está a compor-se. Chegados a 2021, são já praticamente metade (49%) as autarquias a dar descontos. Para já, na maioria dos casos eles são simbólicos, mas, entre as 152 autarquias, 24% já devolvem a totalidade do IRS e 44% até metade do imposto. Porto, Setúbal, Beja e Évora são os distritos onde os moradores menos sorte têm: não só há menos autarquias a darem descontos como os benefícios fiscais são mais modestos. Entre os grandes municípios, Lisboa destaca-se, de longe. Com as eleições à porta houve um salto e 58 autarquias decidiram cortar no IRS. Viseu, Leiria, Bragança, Braga, Aveiro e Açores são as regiões do país onde mais autarquias desceram o IRS este ano (para cobrar em 2022).
► 152 autarquias dão desconto. 36 devolvem a totalidade e 31 metade ou mais
► Porto, Setúbal, Beja e Évora são os distritos onde os moradores menos sorte têm
► 88% das autarquias da CDU cobram taxa máxima e nenhuma dá desconto integral
► Em ano de eleições, 58 câmaras desceram o IRS. Entre elas Almada, Alcochete e Gaia
IRC. 58% DAS AUTARQUIAS DÃO DESCONTO
Além de arrecadarem impostos através de transferências, IMI, IMT e IUC, as autarquias podem ainda receber um adicional sobre o IRC. É a chamada derrama municipal, e também neste caso é-lhes dada liberdade para decidirem o que fazer com a receita. A maioria dos municípios (178 ao todo) dão descontos no IRC às empresas lá instaladas. A este número podem acrescer ainda sete que cobram o máximo mas que isentam as empresas que lá tenham a sua sede social. 107 municípios dão isenção total (contra 36 no IRS) e 71 outro tipo de descontos (contra 67 no IRS). Significa isto que há mais municípios a darem descontos às empresas do que às famílias no IRS. Lisboa, Évora, Setúbal e Santarém são os distritos onde mais autarquias cobram taxa máxima. Madeira, Castelo Branco, Bragança e Faro é onde há menos taxas máximas. Nos distritos de Setúbal e Santarém, nenhum concelho isenta as empresas de IRC, em contraste com a Madeira, Bragança, Faro e Vila Real, onde a taxa zero é dominante.
► 178 autarquias dão desconto. 107 delas dão isenção total
► Há mais descontos no IRC do que no IRS. Opção é comum a todos os partidos, mas a CDU destaca-se: 30% das câmaras beneficiam as empresas
► Em Setúbal e Santarém, nenhum concelho dá isenção total
► 18 concelhos cortaram o IRC em ano de votos. Gondomar, Gaia e Lagos sobressaem entre os maiores
Notícia exclusiva do parceiro do jornal Postal do Algarve: Expresso