Entraram no dia 3 de abril em consulta pública, em simultâneo, os nove Planos do Algarve de Gestão das Zonas Especiais de Conservação (ZEC) oriundas da aplicação da Diretiva Habitats, coincidindo algumas com Zonas de Proteção Especial (ZPE) pela aplicação da Diretiva Aves.
Para cada uma das nove Zonas está disponibilizado um link no Portal Participa[1] que contém uma proposta de plano e um relatório que, no caso da ZEC/ZPE Ria Formosa/Castro Marim, contém no seu total mais de 230 páginas.
Faltando 28 dias para o término da consulta pública e considerando os anexos com mapas de difícil leitura cromática, temos pela frente uma leitura atenta e crítica de cerca de 10 páginas diárias apenas para uma das nove Zonas apresentadas, repletas de milhares de nomes científicos e outras terminologias longe de estarem vulgarizadas. Por exemplo, pela Ria Formosa todos sabem o que é a sebarrinha, as sebas ou fitas de limo, mas quem sabe o que são pradarias de ervas marinhas ou Zostera, as designações que constam em ambos os documentos, omitindo os nomes comuns das espécies? Não é a consulta dirigida aos comuns dos mortais?
Estes Planos de Gestão vão vigorar por 10 anos. Muito do que é dito na proposta de plano é convenientemente vago e abrangente para ficarmos num limbo do pensamento de que aquilo que se deveria fazer poderá estar incluído naquilo que propõem que se faça. Fala-se em renaturalizar, mas a União Europeia aprovou o Regulamento Restauro da Natureza[2] no final de fevereiro, após o anúncio da ONU da década da Restauração dos Ecossistemas até 2030.
Renaturalizar é já um termo da esfera do wishfull thinking da branda atitude da nossa governação ambiental que assiste serena à degradação dos valores naturais em Portugal, não tendo ainda compreendido que o abandono, sem uma renaturalização conduzida, ou seja, sem um procedimento de restauro dos ecossistemas, é incapaz de repor os serviços por eles prestados aos humanos a toda a teia trófica que lhes está associada.
Algo intrigante nas propostas de planos é a dissociação da magnitude destas medidas face ao investimento que lhes poderá estar associado. Não é esse um verdadeiro plano de “gestão”? Os documentos do Algarve foram elaborados em conjunto pelo ICNF, I.P. e pelos externos SGS (consultora de gestão, Lisboa), Instituto Superior de Agronomia de Lisboa e Universidade de Évora.
Há várias estranhezas ao redor destas propostas de planos, encabeçadas pela total ausência da menção a cavalos-marinhos ou Hippocampus. “Essas espécies têm graves problemas de conservação necessitando de medidas de proteção específicas e urgentes, o que fez com que já estejam listadas nos anexos da CITES (Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Fauna e da Flora Selvagem Ameaçadas de Extinção) e no Regulamento Comunitário que aplica essa convenção na União Europeia, tendo ainda sido incluídas nos anexos do recentemente publicado Decreto-Lei nº 38/2021, de 21 de maio.”[3]
Esta espécie foi a selecionada pela Comissão de Cogestão do Parque Natural da Ria Formosa para fazer parte do logotipo da comissão pela sua importância e relevância naquela área protegida. Ao invés, as espécies cujo nome comum é sável e lampreia surgem entre as sugestões de ictiofauna a dirigir a atenção (que não existem na Ria Formosa). Resulta isto da junção das duas áreas naturais distintas numa mesma gaveta da gestão. Mesmo querendo participar em uma das propostas de plano seria difícil conseguir pois, quando se encontra no texto do “ZEC Ria Formosa/Castro Marim e ZPE Ria Formosa e Sapais de Castro Marim – proposta de plano de gestão” uma frase na sua página oito que diz “As medidas de conservação estabelecidas para a gestão das ZEC/ZPE Caldeirão e respetivo quadro operacional estão identificadas no Quadro 5…” fica difícil confiar no conteúdo das tabelas e a sensação de que o esforço da participação será, de novo, em vão.
Mesmo sabendo-se que surgiu como que por geração espontânea este documento e muito apropriadamente alinhado com tudo o que está escrito antes, mesmo que desalinhado com aquilo que a ciência sabe mais, o melhor que podemos fazer é uma incursão pelo aceno de longe à democracia e demonstrar que, mesmo assim, ela ainda existe.
[1] https://participa.pt/pt/consulta/plano-gestao-zec-e-zpe-monchique
https://participa.pt/pt/consulta/plano-gestao-zec-e-zpe-caldeirao
https://participa.pt/pt/consulta/plano-de-gestao-de-zec-arade-odelouca
https://participa.pt/pt/consulta/plano-de-gestao-da-o-zec-ria-formosa-castro-marim-e-zpe-ria-formosa-e-sapais-de-castro
https://participa.pt/pt/consulta/plano-de-gestao-da-barrocal
https://participa.pt/pt/consulta/plano-gestao-zec-ria-de-alvor
https://participa.pt/pt/consulta/plano-gestao-da-zec-ribeira-de-quarteira
https://participa.pt/pt/consulta/plano-gestao-da-zec-guadiana-juromenha
https://participa.pt/pt/consulta/pano-gestao-da-zec-guadiana
[2] https://environment.ec.europa.eu/topics/nature-and-biodiversity/nature-restoration-law_en?prefLang=pt
[3] In https://www.icnf.pt/imprensa/intervencaoparaprotegerpopulacaodecavalosmarinhos
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