Todos nós gerimos aquilo que nos pertence ou aquilo que desejamos, tendo por base o número. Os humanos têm, hoje, a habilidade de o controlar em função dos seus interesses, como nunca antes visto. Mas há um número que, embora aparentemente não seja controlado, tem de ser respeitado – o número de humanos, no planeta Terra (atualmente, cerca de 7,9 mil milhões). A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que a população mundial cresça a um ritmo de 1,2 %, o que poderá significar uma média de quase 3 nascimentos, por segundo.
A crescente necessidade de alimentação, fundamental para a manutenção da vida dos humanos, tem levado a um aumento exponencial da procura por alimento. Para dar resposta a essa galopante procura, a agricultura teve de se modernizar – as tecnologias tradicionais foram substituídas por tecnologias industriais, para o aumento da produtividade agrícola (industrialização da agricultura). A capacidade produtiva na agricultura cresceu entre 2,5 e 3 vezes, nos últimos 50 anos.
Embora esse aumento na produção alimentar pareça ter acompanhado as necessidades do aumento populacional, tal, na verdade, não é uma realidade, apesar de todos os progressos. Em 2020, o número de pessoas que enfrentou a fome pode ter ficado próximo de mil (1000) milhões, o que representou aproximadamente 1/7 da população mundial. Se não fomos capazes de alimentar adequadamente 7,7 mil milhões de pessoas em 2020, como seremos capazes de alimentar aqueles que estão a nascer neste momento e os que irão nascer, no futuro?
Sabia que a União Europeia teve um papel decisivo na configuração da Agenda 2030, da ONU, para acabar com a fome (Fome Zero) e garantir o acesso de todas as pessoas a uma alimentação de qualidade, nutritiva e suficiente, durante todo o ano?
Se consultou o Índice Global da Fome de 2021, a determinada altura (pág. 5) terá lido “o progresso em direção à Fome Zero até 2030, já demasiado lento, está a mostrar sinais de estagnação ou mesmo de ser revertido”.
Se o problema já era grave e muito preocupante em 2021, muito mais grave se torna quando temos uma parte do mundo em retaliação contra a Rússia, porque esta ocupou a Ucrânia, em 24 de fevereiro de 2022. Acontece que a Rússia é “somente” o maior exportador mundial de trigo, tendo produzido 75,5 milhões de toneladas, em 2021.
O trigo, um dos cereais mais antigos cultivados pelo homem, é hoje a fonte mais importante de alimento, sendo por muitos considerado o melhor dos alimentos, entre os cereais. É uma das principais fontes de proteína vegetal, na alimentação humana. Além disso, desempenha um papel de extrema importância na alimentação dos animais, muitos dos quais servirão de alimento aos humanos.
Sabia que da totalidade das exportações de trigo do planeta, a Rússia (o maior exportador mundial) é responsável por cerca de 17%? Ou seja, por cada seis quilos de trigo exportados, um quilo é comercializado pela Rússia.
Sabia que a quantidade de trigo colhida na Rússia entre o início do ano agrícola (1 de julho de 2021), até 10 de março de 2022, é 30,9% menor, se comparado ao mesmo período entre 2020 e 2021? Assustador, porque há cerca de 800 milhões de pessoas, que dependem da importação de trigo da Rússia!
Sabia que o número de pessoas a morrer de fome tem vindo a aumentar, estimando-se que por minuto, cerca de 11 pessoas tenham morrido devido a essa causa, no final do ano 2021? Estamos a falar da morte de mais de 15 000 pessoas por dia, ou mais de 100 000 pessoas, por semana. Números alarmantes, aos quais não podemos ficar indiferentes.
O preço do trigo bate recordes, diariamente. A maior parte do trigo da Rússia é exportado no verão e outono (junho a dezembro), o que significa que os maiores problemas ainda estão para chegar. Quantas pessoas morrerão à fome em 2022? Com certeza, muitas mais do que as 100 000 que morreram por semana, em 2021! Irremediavelmente, estaremos assim cada vez mais longe do objetivo da Fome Zero, até 2030.
Será que os diferentes pacotes de sanções económicas impostas pela UE à Rússia têm o cuidado de não ferir a produção e exportação do seu trigo? Esperemos que sim, sob pena de estarmos a contribuir diretamente, ainda mais, para o já lamentável número daqueles que morrem à fome, diariamente.
Será que os decisores políticos conhecem a Randa? A Randa é uma menina de três anos do Iémen, que pesa apenas quatro quilos – sofre de desnutrição aguda. Esta é uma menina entre milhões de pessoas, as quais estão em risco de morrer à fome.
Será que o leitor terá coragem de pesquisar imagens no mais famoso motor de busca da internet sobre “a menina Amal Hussain, que morreu aos 7 anos, por fome”?
Será que os nossos governantes vão continuar a contribuir para o deplorável cenário da fome? A humanidade espera mais dos seus líderes…
* Docente;
Pós-Graduação em Gestão e Administração Escolar