Eu e a minha geração que nascemos e vivemos no antigo regime, nós que fomos para as guerras em África, que presenciámos o vinte cinco de Abril, sonhámos com um país livre, com políticos honestos, sem perseguições políticas, com desenvolvimento e sem pobreza, sem discriminações, sem corrupção, sem maldade institucionalizada, com um sistema de justiça justo e eficaz. Nós vimos, ao longo de décadas, toda a espécie de oportunistas, incompetentes e gananciosos apoderarem-se do poder político e económico. Nós tivemos uma infância e juventude difíceis, tivemos uma adultez de trabalho árduo acreditando sempre que o país podia mudar para melhor, puro engano.
Hoje, passada a barreira dos setenta anos, vemos muita gente em situações deprimentes sem esperança sequer de serem ajudados pelas instituições que existem para esse efeito, mas ao mesmo tempo vemos pensões de mais de cem mil euros por mês, é uma vergonha de injustiça social institucionalizada!
Promove-se a caridade e a solidariedade cidadã, mas não se promove a honestidade e a competência, enquanto uns recebem esmolas dos seus concidadãos outros engordam os bolsos com a riqueza que deveria ser de todos, são feitas penhoras de imóveis por dividas de poucos cêntimos, mas os grandes devedores são perdoados pelos comparsas.
O serviço de justiça devia ser universal e gratuito, tal como está só quem tem dinheiro pode aceder efetivamente à justiça, é incompreensível que uma sentença definitiva leve dez, quinze ou vinte anos a ser conhecida, isso já é em si mesmo uma enorme injustiça.
No sistema económico não são tomadas medidas estruturantes, os micro e pequenos produtores industriais e agrícolas apenas podem aceder a linhas de crédito, mas os grandes grupos económicos rebem verbas a fundo perdido.
O sistema de saúde bateu no fundo com uma pandemia.
O ensino funciona ao lado do sistema económico em vez de estarem coordenados, a iliteracia funcional é avassaladora. Nem todas as famílias têm possibilidades económicas para os seus filhos frequentarem o ensino superior.
Na área política o oportunismo prevalece sobre a nobre função de defesa do bem comum. As eleições são uma feira de mentiras, cada qual luta por obter bons ordenados, majestosas mordomias e subsídios para tudo. Os partidos políticos dominam o sistema eleitoral em circuito fechado, deviam funcionar como um local de debate de ideias aberto ao público, recebendo críticas e opiniões, mas na realidade são um local de encobrimento dos interesses particulares dos seus militantes.
Não era esta triste realidade pela qual esperávamos com o vinte cinco de abril. Nós, os velhos, queríamos deixar um país melhor aos nossos descendentes, sonhámos com a honestidade, mas foi só um sonho. Deixámos a maldade tomar conta do país.
Foram feitas coisas muito boas, mas não foi o poder político que as promoveu!
Eu, um dos velhos, estou desiludido com a realidade.