Às janelas do Palácio hão-de chegar as vozes e a nostalgia dos poemas e dos amores de Ibnamar e Almutamid, perfumados com flores de laranjeira. E também os gritos de desespero das guerras e das disputas sangrentas. Dos cercos, das resistências, das conquistas e reconquistas.
Da fome e da sede.
Espreitar a cisterna árabe, onde agora fica o museu arqueológico, ouvindo o eco das vozes em caracol, vinte metros lá em baixo. Descer à cidade escondida por baixo da cidade construída, onde Saramago é agora guardador de livros e de aventuras.
Ou subir à Sé cristã erguida sobre cânticos e orações vindos do além mar.
Demorar o olhar no arco de entrada, nas suas ogivas interiores e junto ao altar, o túmulo onde por quatro anos ficou o corpo de D. João II.
E a ponte cá em baixo, árabe ou romana, passagem para a outra banda. O rio, os canaviais, os meandros em serpente. Assim, há séculos! E, em redor, os pomares e a frescura do Arade por onde subiram águas e cruzados. E se fez a paz e se fez a guerra.
E por ali se embarcaram figos, passas e laranjas e legumes e madeiras, para a Europa e norte de África. Ou para as naus das descobertas. E também a cortiça que nos remete para as lutas operárias, em anos de servidão.
E quase junto à foz, perscrutar vozes longínquas de batalhas travadas em línguas estranhas. E ao lado, na ribeira de Boina, adivinhar Camões a sarar feridas do corpo, que as da alma foram com ele para os confins do mundo! Nas rimas dos seus versos e na epopeia lusitana!
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