Mas fora a celebração dos dias que já conheceram tempos melhores, a vida ali corre pacata. Ruas de casas brancas em que se recorta a silhueta da torre sineira a anunciar os dias.
São Brás de Alportel é um miradouro de horizontes de mar e serra. As paisagens, pintadas de verde, cheiram a alecrim e a rosmaninho. O medronheiro e o loendro põem uma nota de verde álacre nos montes redondos cobertos de estevas e sobreiros.
Tal como por todo o Algarve, há rastos de árabes e romanos. E também de salteadores e almocreves. Por ali corre – a par da estradinha romana – a estrada nacional número dois que, durante séculos, foi o único corredor de ligação entre o sul e as terras do norte.
Noutros tempos, “não havia outeiro, batido pelo vento, que no seu cimo não tivesse o seu moinho. A ele conduziam um ou vários carreiros, percorridos vezes sem conta, por mulheres e crianças, levando à cabeça o talego com um alqueire de trigo ou de milho”.
E, sem deixar de seguir o olhar curioso de José Sobrinho, “não havia camponês ou moleiro que olhando o moinho e atento ao silvo dos búzios atados nas velas, não soubesse prever o tempo”. Como o mestre Paulino, ocupado na tarefa de lutar contra o seu moinho de vento: o moinho do Bengado que reconstituiu e que ali está a sinalizar o monte e a acenar aos céus. Só mesmo um D. Quixote, com a dedicação desinteressada dele, pode ainda trabalhar no seu moinho. Mais por teimosia de querer preservar um legado histórico e cultural. Uma forma de viver que acabou, sabendo que o seu testemunho económico só fará sentido se for entendido como representação de um processo de desenvolvimento que marcou o tempo, moeu o passado e matou a fome a muitas gerações.
O projeto do município de S. Brás de Alportel consiste em integrar o moinho do Bengado e outros – a adquirir ainda pela autarquia – que pontificam nos cerros dos montes, num projeto de recuperação e valorização dos moinhos velhos abandonados. Criando um projeto molinológico que possa envolver não apenas a reabilitação desses moinhos, mas que seja capaz de reconstituir todo o ciclo económico associado à produção dos cereais, à vida na terra e à moagem. Integrando todo este conjunto num itinerário de interesse turístico.
Além do património que aqui gira pela força do vento, há o que a natureza oferece: os passeios de fim de semana pela serra, os poentes no crepúsculo da Soalheira e, numa pausa de descanso, aproveitar para provar o licor de alfarroba, os doces de figo e amêndoa, o mel e os chás de ervas do campo. Ou um copinho de medronho para retemperar forças.
Perante este quadro bucólico, caberá perguntar o que prevalece mais: se o retrato romântico ou outra realidade mais dura por detrás do biombo. E tentar perceber se o desenvolvimento de uma economia local virada para os produtos da terra, pode ser a solução viável e suficiente para fixar as pessoas ao interior e à serra.
Por ali, nasce e cresce a melhor cortiça do mundo. Uma riqueza e um património natural – sobrevivência de muita gente – que quase todos os anos se vê cercada e muitas vezes destruída pelas chamas. E como se não bastasse a devastação provocada pelos fogos, o montado tem vindo a confrontar-se com um inimigo silencioso e letal.
De que é que morrem os sobreiros? – É a interrogação perplexa que ecoa por montes e vales!
Há um fungo – outros lhe chamam stress – que pode dizimar esta espécie se não for atacada a tempo. Como se não bastasse já a luta entre a cortiça e o plástico. A natureza e a indústria dos interesses. Um braço de ferro que, mais cedo ou mais tarde, pode levar ao fundo a cortiça e o montado.
Mas há outros motivos de interesse. Que não deixe de se ver a casa do cantoneiro e as memórias que guarda da vida e dos trabalhos daqueles antigos cuidadores da estrada. Aproveite-se também para uma visita ao museu do trajo instalado num edifício da arquitectura burguesa do século XIX. As exposições patentes que incluem uma mostra de trajos característicos do Algarve dos séculos XIX e XX, um núcleo de escultura religiosa popular, exemplares de antigas carroças algarvias e uma exposição de arreios e alfaias agrícolas.
Além de tudo isso, S. Brás é terra de poetas. Existe um roteiro de fontes e poços, cada um deles associado a um poeta do concelho: Bernardo de Passos (o mais conhecido), João Brás, José Dias Sancho e José Vicente, um contemporâneo de Aleixo, como exemplos. É aquilo a que se pode chamar, com inspiração, fontes de poesia!
Antes das despedidas, haverá sempre tempo para provar as iguarias da sua gastronomia com notória influência do mar e da serra, em combinações de que ninguém nunca mais se irá esquecer: xerém de camarão com toucinho fumado e amêijoas, trouxa de couve lombarda com bacalhau escalfado em azeite ou um arroz de pato inteiro no forno com salsa frita e alhos confitados.
Por fim, inebriados pelo aroma das ervas do campo, deixemos perder os sentidos nos doces e licores com sabor a natureza. E guarde-se como adeus, o sopro puro do vento que aqui vai assobiando histórias de outras mós e outras eras.