O projeto de revisão do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES adiante), apresentada pelo Governo, tem sido palco para discussão no seio académico: Trata-se de um progresso ou de um retrocesso?
Na sequência da consulta pública encetada, que resultou no Relatório da Comissão Independente de Avaliação, foram apresentadas diversas alterações, a discorrer. Numa primeira nota, a possibilidade de os institutos politécnicos outorgarem o grau de doutor, inovação conferida pela Lei n.º 16/2023, de 10 de Abril, encontra-se dependente da definição dos requisitos mínimos para a criação e funcionamento de um estabelecimento de ensino como universidade politécnica, segundo afirma a proposta.
A criação de um regime próprio para a nova figura jurídica Universidade Politécnica é considerada, por alguns, uma subversão do sistema binário, que assegura a separação do ensino politécnico, orientado para a prática, e do ensino universitário, orientado para o ensino teórico e científico, incorrendo na perda de expressão daquele primeiro e não resolvendo um suposto pré-conceito desvalorativo. A fronteira, que pauta os diferentes sistemas de ensino, permite uma especialização que responde às necessidades do mercado, formando profissionais com diferentes abordagens, complementares. Mas será que esta pretensa diluição ameaçará a perda de parte da identidade prática (ou, pelo menos, não tão teorética) dos politécnicos, como muitos apontam?
A Universidade do Algarve e a Universidade de Aveiro são exemplos de instituições que já combinam o ensino universitário com o politécnico dentro da mesma estrutura. É notar: o respeito pela separação substantiva ou a queda na absorção?
Uma segunda nota, quanto ao sistema de governo das IES públicas que se quer alterado para um modelo de eleição direta do reitor, conceder-se-ia direito de voto aos antigos estudantes. Ainda que incida sobre dois candidatos pré-selecionados pelo Conselho, o Senhor Doutor Vital Moreira, antigo professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, considera que a consagração de um sistema de governo presidencialista vai reforçar o poder do reitor, que deixa de ser responsável perante o Conselho, a pretexto da responsabilidade perante os seus eleitores.
Cai por terra o argumento que compara a eleição do Presidente da República, democraticamente eleito, “sem que se corra o risco de ditadura presidencial”, visto que, ao contrário daquele, o reitor é o órgão executivo da universidade, como afirma o professor catedrático jubilado no seu blog.
Numa terceira nota, prevê-se a diminuição da carga burocrática das IES, reforçando a sua autonomia ao nível orçamental, financeiro, patrimonial e de gestão pessoal, através da neutralidade das alterações legislativas do ponto de vista orçamental das IES, da transferência para os órgãos próprios das decisões de gestão corrente até agora dependentes da intervenção governamental e da flexibilização na gestão de património daquelas.
Noutros apontamentos, surgem críticas em relação à ausência de referência de Inteligência Artificial e de medidas que atenuem as desigualdades regionais, em que instituições do ensino superior centrais prosperam por oposição às que lutam para sobreviver.
Na ausência de uma melhor proposta, como seria a representação permanente dos alumni no Conselho Geral, acredito que será benéfica, pelo menos, a sua inclusão no processo de eleição do reitor, ainda que com um peso reduzido. Quanto à fusão dos politécnicos e universidades, urge a ultrapassagem dos modelos estruturais conservadores, assegurando a fronteira substantiva, sem permitir que esta constitua uma objeção ao progresso do esqueleto académico. O pré-conceito de uma “segunda categoria” deve cessar, abraçando a sua inerência valorativa, sem deixar que se incorra numa eventual descaraterização.
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