Nasceu em Estômbar, em 1796, mas foi em S. Bartolomeu de Messines onde se estabeleceu, casou e traçou o seu destino. Ainda menino, foi estudar para o seminário de Faro. Aí tomou as ordens menores mas, dado o seu talento para a oratória, cedo despertou a admiração do bispo que o autorizou a subir ao púlpito e falar ao povo. Acabaria, contudo, por abandonar a promissora carreira eclesiástica e a batina, para casar com Maria Clara Machado de Bastos, filha de uma “mui distinta família” local.
Precisou, ainda assim, de muita persistência e fazer uso de toda a retórica e do seu latim, para vencer a relutância do tio da moça, homem abastado e dono de terras nas cercanias de S. Bartolomeu de Messines e S. Marcos da Serra. Dessa sua insistência, viria a receber de Maria Clara, a alcunha de Remexido que lhe ficou, para sempre, colada à pele e ao nome.
Jovem letrado, bem falante e alinhado com o regime absolutista da época, depressa ganhou posição social de relevo e reconhecimento público. Conseguiu benfeitorias para a aldeia. Uma escola pública de primeiras letras, um forno comunitário e uma feira franca em honra de Nª Sra da Saúde, que ainda hoje se realiza.
Já depois da primeira revolução liberal de 1820, foi eleito juiz de vintena, passando, simultaneamente, a administrar os bens do tio de sua mulher. Nessa função ia, pessoalmente, fazer as cobranças dos dízimos das terras de S. Bartolomeu e S. Marcos da Serra.
Anos mais tarde, na pólvora dos dias, enquanto guerrilheiro, na serra do caldeirão que conhecia como os seus próprios passos, tornou-se uma dor de cabeça para as tropas liberais fiéis a D. Pedro, na guerra civil que o opôs aos absolutistas de seu irmão D. Miguel.
Assinada a paz na Convenção de Évoramonte, esperava-se um regresso à normalidade. Contudo, a prisão de sua mulher e de um filho, bem como as represálias e perseguições políticas exercidas pelos liberais, vencedores da guerra fratricida, levaram o guerrilheiro a prosseguir a sua campanha militar com acções de violência, um pouco por todo o algarve e baixo alentejo. A tomada de Albufeira, ao tempo uma praça liberal, é um exemplo sagrento da chacina e pilhagem perpretadas pelas hostes miguelistas, provocando cerca de sete dezenas de vítimas.
E se os excessos de guerra se podem apontar sempre a um e outro lado da contenda, na narrativa construída ao longo do tempo, os liberais fizeram, do Remexido, um sanguinário e “façanhudo guerrilheiro”. Um homem – diziam – que desenvolveu particular ferocidade, “apunhalando os prisioneiros, queimando-os vivos e arrastando-os a todos à cauda do seu próprio cavalo.” E para compôr a lenda, o Remexido teve mesmo honras de figurar numa coleção de romances de cordel, onde a história e a ficção andam de mãos dadas.
Como em todas os casos, há porém quem guarde dele a imagem diferente de um herói romântico e idealista, que se sacrificou pela causa que lhe pareceu mais justa, ainda que contra os ventos dominantes das ideias liberais republicanas que chegavam da revolução francesa.
Dele, escreveu Camilo Castelo Branco: “O Remexido surge imbuído de fortes laivos românticos, acabando por trocar uma pacata vida de lavrador, pelos apuros de uma luta sem quartel que lhe valeu e à família, as mais duras perseguições, contra as quais se rebelou.” E o historiador algarvio, Alberto Iria, exalta o Remexido apresentando-o como “uma pessoa inteligente, dotada de uma alma boa e generosa, com dignidade e grandeza ao serviço dos seus ideiais.”
Feito prisioneiro em 1838, foi julgado em tribunal de guerra no salão da Misericórdia de Faro e condenado à pena capital. Nas alegações finais, em sua defesa, disse: “o único crime que cometi foi o crime de desobediência”, em obediência a um ideal e a uma causa em que acreditava. Sem possibilidade de recurso, foi executado por fusilamento, a 2 de agosto do mesmo ano, pelas 18 horas, no campo da Trindade, onde hoje é a Alameda João de Deus, em Faro, e enterrado no cemitério da Misericórdia.
Duzentos anos volvidos, e independentemente da imagem e do juízo que hoje se possam fazer do Remexido – do homem, do político e do guerrilheiro – fica a ideia de que o Algarve nunca chegou, verdadeiramente, a conhecê-lo, deixando cair sobre ele e as suas razões, o manto escuro do esquecimento e do silêncio.
Como quase sempre acontece, também neste caso acabou por prevalecer a versão da história escrita pelos vencedores. E ele esteve do lado errado da barricada!
Vae victis! Ai dos vencidos!
Fontes: “A guerrilha do Remexido”, de António Monteiro Cardoso e António do Canto Machado” (edições Europa América) e “O Remechido, glória e morte de um mito”, de J. C. Vilhena Mesquita (edição C.M.de Loulé); outras.
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de novembro)