A colónia da Guiné, designada por Província Ultramarina após o início da guerra colonial ou da independência, tinha em 1946 um regime político-social baseado na distinção de raças, segundo se depreende da tese apresentada pela Associação Comercial e Industrial e Agrícola daquela colónia no Congresso do quinto centenário da descoberta da Guiné, promovido pela Sociedade de Geografia de Lisboa.
Não pretendo fazer aqui uma análise exaustiva de toda a Tese, mas tão somente alguns pontos que me pareceram relevantes para a demonstração da existência de racismo.
Na introdução, nas páginas 8 e 10, são apresentados os seguintes dados:
A forma de expressão aqui reproduzida, impensável nos nossos dias, ilustra a forma de pensar de algumas pessoas naquela época e anteriormente.
No capítulo 1, depois de ser feito um elogio a Teixeira Pinto pela “luta pacificadora” levada a cabo por ele, é dito que: “Como povos vassalos do Governo português lhes foram sucessivamente sendo lançados impostos que os levaram ao trabalho, …”. Naquele capítulo é feita uma resenha da forma de subjugação/exploração dos guineenses e as consequências da travessia da fronteira franco-portuguesa (actual Senegal) conforme eram mais ou menos explorados de um ou do outro lado da fronteira, concluindo que “Aquela fronteira terrestre franco-portuguesa é, pois, só para a gente branca, nada tendo com ela a gente preta!…”.
É interessante ler o capítulo 2, o qual começa por dizer que: “Os indígenas portugueses, hoje absolutamente pacificados e obedientes, são párias, com receio ilegítimo do mau trato das autoridades públicas, … … à semelhança de qualquer animal doméstico, logo que se aproximam das pessoas brancas que bem os tratam, jamais se afastam.” Aqui os negros eram literalmente comparados a animais, não eram considerados como pessoas. Não esqueçamos que os próprios brancos nascidos nas colónias eram considerados brancos de segunda.
No capítulo 3 que trata da instrução profissional começa por afirmar que “Os indígenas da Colónia da Guiné Portuguesa, já absolutamente pacificados e obedientes, habitam a selva, ….”.
Esta é uma pequena amostra da forma de pensar e de actuar das ‘pessoas civilizadas’ que administravam aquela antiga colónia. Lendo as 70 páginas da tese apresentada, creio que posso afirmar, sem sombra de dúvida, que existia racismo e exploração das populações guineenses pelos colonos portugueses. Digo populações de propósito.
Nos capítulos seguintes são feitas propostas de reorganização económica da colónia face ao continente e a países terceiros. Quem se der ao trabalho de ler a obra Estrutura da Economia Mundial de Immanuel Wallerstein verá que a tese aqui em análise se enquadra perfeitamente no conceito de exploração dos países da periferia pelos países do centro, exposto por aquele autor.
O racismo, a xenofobia e a exclusão social estão bem patentes nos textos aqui transcritos sem estarem descontextualizados.
A todos aqueles que afirmam nunca ter existido racismo nem exploração nas antigas colónias portuguesas aconselho a que leiam mais e que sejam mais cautelosos nas suas afirmações perentórias em relação a este tema.
Não existem países racistas, existem é pessoas racistas e regimes políticos organizados de forma a que algumas pessoas beneficiem com o racismo. Não podemos esperar que o racismo deixe de existir nos próximos séculos porque é uma condição psicológica intrínseca de cada ser humano, temos é que reprimir as suas manifestações sociais.