O que têm em comum um/a jardineiro/a com um/a designer? E um/a arquiteto/a com um/a cabeleireiro/a? Como estes poderíamos dar muitos outros exemplos de outras pessoas cuja ocupação é, afinal de contas, a mesma: criar beleza. A beleza parece ser um valor importante ou não haveria tanta gente a dedicar-se a tentar fazer coisas bonitas. Ainda assim, parece que nem sempre sabemos o que pensar dela. O clérigo e escritor inglês Charles Kingsley referia-se à beleza como a “caligrafia de Deus” e o escritor francês Stendhal como “promessa de felicidade”. Mas nem sempre a beleza é vista com bons olhos. Muitas vezes, diz-se que é supérflua, fútil ou um inimigo do pragmatismo e da utilidade. Mas será que é assim?
Todos nós temos encontros – mais casuais ou propositados – com a beleza. Para alguns, a beleza pode ser meramente acidental ou uma procura tímida que passa por evitar calçar peúgas às riscas com calças aos quadrados ou outros faux pas semelhantes: os mínimos olímpicos da estética. Para outros, essa busca é intensa e apaixonada e não conhece limites: procuram-se lugares bonitos, músicas bonitas, objetos bonitos, momentos bonitos. A arte vive destes últimos para quem a vida sem beleza é uma existência mais triste. Mas até o coração mais empedernido pode ocasionalmente ceder à comoção da beleza. Pode ser uma música especial, as plantas do jardim ou as conchas da praia. Mais tarde ou mais cedo, a beleza encontra um caminho por onde entrar.
A utilidade da beleza
Mas para que serve, afinal, a beleza? A natureza parece não medir esforços para criar o belo: pedras brilhantes, flores de mil cores e pássaros de plumagens exóticas. Este é um aspeto que deixou o próprio Charles Darwin intrigado. Por que motivo se teria a natureza dado ao trabalho de conceber uma ave tão extravagante e de fisionomia tão pouco prática como o pavão? A resposta era pouco óbvia se pensarmos que uma cauda pesada, longa e colorida oferece poucas vantagens a uma ave que queira fugir de predadores. No entanto, as fêmeas de pavão veem nas exuberantes caudas dos machos tudo o que precisam de saber na altura de escolher um parceiro. Caudas mais vistosas são um sinal de saúde e força e, portanto, – presume a pavoa – de bons genes para a descendência.
Neste aspeto, humanos e pavões têm algo em comum. Traços de beleza física, como um rosto simétrico, podem ser naturalmente atraentes porque indiciam uma boa genética. Da mesma forma, aquilo que habitualmente nos parece belo na natureza – como espaços verdes ou corpos de água – tendem a ser lugares que prometem bons recursos para a sobrevivência, normalmente, ricos em alimento e hidratação. Apesar de encontrarmos beleza em muitas coisas feitas por pessoas, como peças de arte ou monumentos, a investigação parece sugerir que as pessoas encontram mais facilmente beleza em elementos da natureza. Da mesma forma, estudos mostram que concordamos mais facilmente sobre o que é belo na natureza (como um rosto humano) do que naquilo que tem mão humana (como uma pintura).
A beleza no dia-a-dia
A beleza natural pode ter um impacto psicológico. A investigação tem vindo a demonstrar que o contacto com ambientes naturais tem um efeito positivo no bem-estar e na redução de stress. Da mesma forma, as pessoas tendem a considerar espaços urbanos com vegetação como mais agradáveis e apelativos e, em alguns contextos, a proximidade a espaços verdes surge associada a menores índices de criminalidade. Por outro lado, viver em espaços urbanos degradados ou com sinais de vandalismo surge frequentemente associado a piores indicadores de saúde física e psicológica. Considerando as estimativas das Nações Unidas de que 60% da população venha a viver em ambientes urbanos até 2030, torna-se cada vez mais importante pensar em formas de transformação das cidades em espaços de bem-estar.
Ainda que haja muito por investigar quando ao impacto dos espaços envolventes na saúde física e psicológica, parece haver motivos para considerar que a beleza não é supérflua. Seja na arte, na natureza ou nas relações humanas, a beleza é uma oportunidade para experienciar emoções que transcendem as nossas vidas quotidianas. Pode ser fonte de conforto e de inspiração em momentos difíceis ou um mote para a curiosidade e criatividade. Tudo isso deve levar-nos a pensar se nos permitimos o espaço e tempo suficientes para nos encontrarmos com ela. E talvez seja hora de a levarmos mais a sério. A beleza não deve ser vista como um luxo ou uma comodidade, mas como um direito de todas as pessoas.