Por estes dias foi dado a conhecer um Acórdão do Tribunal de Justiça Europeu (TJUE) onde se reconhece o incumprimento da República Portuguesa perante as suas obrigações de assegurar o pagamento atempado das entidades publicas aos seus fornecedores.
Na prática… na prática nada! Mas não deixa de ser um bom ponto de (re)começo para refletirmos sobre o tema da Contratação Pública e os prazos de pagamentos aos fornecedores.
Comecemos pelo começo: o Estado Português não foi condenado pelo atraso nos pagamentos, foi condenado sim, por não garantir que a sua Administração Pública, as Pessoas Coletivas Publicas, as Entidades Adjudicantes no âmbito do Código dos Contratos Públicos, cumpram as obrigações relativas ao atempado pagamento aos seus fornecedores.
O conhecimento e a tecnologia estão disponíveis, haja vontade para tornar a simplificação e modernização administrativa uma realidade que impulsione e dinamize a economia e a justiça em benefício de todos
Este Acórdão refere-se apenas a fornecedores de bens e serviços, por essa razão e pela sua especificidade muito própria, vamos para já afastar desta nossa reflexão os contratos de empreitadas de obras públicas, que pela sua natureza obedecem a procedimentos de pagamentos muito específicos.
Assim, é no Código dos Contratos Públicos (CCP) que vamos encontrar as regras para formação e execução dos contratos públicos de aquisições de bens e serviços, não seria por isso espanto que aí encontrássemos as regras para os pagamentos e seus prazos.
E efetivamente assim é, e O Código dos Contratos Públicos é claro quanto a isso: 30 dias é o prazo para o pagamento das obrigações contratuais por parte das entidades adjudicantes. Poderá diferir o momento em que começam a contar, mas o prazo ordinário de pagamento é. sem margem para dúvidas de 30 dias.
Um prazo que vai de encontro, e transpõe para a legislação nacional, o determinado pela Diretiva 2011/7/UE do Parlamento Europeu e do Conselho.
Se olharmos agora para a Lei dos Compromissos e dos Pagamentos em Atraso ainda que de forma superficial, concluímos que as entidades adjudicantes só se podem comprometer com uma despesa, desde que esteja garantido o respetivo pagamento, isto é, a despesa prevista com o contrato não pode ultrapassar os fundos disponíveis.
Com isto podemos esquematizar de forma muito simplificada, porque de facto é simples, o procedimento de contratação pública no que toca aos pagamentos: i) é identificada uma necessidade de aquisição e é tomada a decisão de contratar, devidamente acompanhada pela autorização de despesa; ii) decorrem as fases pré-contratuais e de execução do contrato; e iii) o pagamento é feito num prazo de 30 dias, garantido pelo compromisso decorrente da autorização de despesa.
Mas ao que parece, e esta condenação do Tribunal de Justiça Europeu vem reforçar isso mesmo, os pagamentos aos fornecedores são feitos com atraso, sem que haja justificação para tal e sem que o Estado, assim diz o Acórdão, assegure que as entidades públicas portuguesas cumpram os prazos que ele próprio, o Estado, estabeleceu por força da Lei.
E com isso voltamos às questões de “Mais simplificação, menos burocracia… o desafio para a Contratação Pública” sobre as quais temos vindo a refletir, reforçando-se que o comportamento da Administração Publica tem efeitos imediatos e prejudicais para todos os envolvidos, seja pelo limitar a concorrência apenas a empresas com capacidade de suportar tais prazos, ou pelo aumento dos preços de aquisição como contrapartida pelo alargamento dos prazos de pagamento.
Mas as normas que determinam os prazos de pagamento, são as mesmas que preveem mecanismos de acompanhamento à execução dos contratos.
Veja-se que numa primeira linha temos o Gestor do Contrato, figura existente em todos os contratos públicos que tem por obrigação comunicar de imediato qualquer desvio ou anomalia que detete na execução do contrato, incluindo atrasos nos pagamentos.
Depois temos o órgão que tomou a decisão de contratar e que autorizou a despesa, responsável também pelo pontual cumprimento das obrigações pecuniárias resultante dos contratos.
E temos ainda o Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção, I. P., (IMPIC) que atua no acompanhamento e monitorização dos contratos públicos, bem como o Tribunal de Contas e a Inspeção-Geral de Finanças a quem compete a auditoria e fiscalização dos contratos públicos.
Ora… se os prazos estão definidos e se o acompanhamento ao seu cumprimento está estabelecido, no entanto ainda assim as falhas e incumprimentos se mantêm, talvez fosse hora de se olhar para o procedimento e otimizá-lo com recurso às disciplinas do Direito e da Informática, em especial da análise de sistemas.
Repare-se que as entidades adjudicantes são obrigadas a comunicar ao portal base, o portal dos contratos públicos, um conjunto muito significativo de dados e informações relativas aos contratos públicos nas suas várias fases, desde o início até à sua conclusão, entre essas informações temos o relatório de execução.
Trata-se de um relatório onde se apresenta informação sobre o fecho do contrato assim como a faturação eletrónica. É um relatório obrigatório em qualquer tipo de contrato, com qualquer preço contratual, e deve ser disponibilizado pelas entidades adjudicantes até 20 dias úteis após a data do fecho do contrato, sendo esta a data do pagamento da última fatura aceite pelo contraente público.
Estando o IMPIC na posse desses dados, reduzir os prazos de pagamentos é garantidamente fácil, de baixo custo e elevado eficiência. Ainda que daí pudessem resultar ações de caráter sancionatório, bastariam três ações preventivas para que as empresas fornecedoras da Administração Publica, recebessem dentro dos prazos previstos:
i) publicação dos prazos de pagamentos na ficha individual de cada contrato; ii) disponibilização de relatórios com prazos de pagamentos por cada entidade adjudicaste e iii) alarmística de envio eletrónico e automático para Entidade Adjudicaste, Tribunal de Contas e a Inspeção-Geral de Finanças com informação relativa a incumprimentos dos prazos de pagamentos.
O conhecimento e a tecnologia estão disponíveis, haja vontade para tornar a simplificação e modernização administrativa uma realidade que impulsione e dinamize a economia e a justiça em benefício de todos.
Leia também: Mais simplificação, menos burocracia… o desafio para a Contratação Pública