É outono e a paz recomeça desde a Alma!
Caminho ao lado desta cordilheira plantada ao rés da calçada, onde tudo começa a amarelecer. Quando vim parar aqui, e no primeiro instante… como sempre no primeiro instante, os carros rodopiavam sem sossego, o odor dos gases da cidade, o barulho infernal, cinzento, era tudo o que eu conseguia ver e que camuflava o essencial. Acreditava que esta minha estadia, não seria mais que uma passagem obrigatória, de um destino qualquer do destino. A pouco e pouco, as folhas foram tapetando as calçadas de tons dourados, e o céu nem sempre se mostrava azul. Desejava descontroladamente o final das sextas-feiras, e rumava noite dentro, ao Alentejo. Era uma correria endoidecida entre um e outro lugar, que me anestesiava a vida e não me deixava cansar o corpo nem a Alma. Acordava cedo depois de uma noite no aconchego do meu ninho, e lá ia eu…
As minhas companheiras de caminhada sempre se adiantavam nos passos, enquanto eu me detinha em pormenores floridos em tempos de primavera, ou nos seus vultos envoltos em nevoeiro, trazido por qualquer outra estação, que em qualquer caso, eu ia registando em fotos. Foram muitas as vezes que também elas, envoltas em vidas e assuntos que eu desconhecia, se alhearam da minha presença do seu lado… e eu gostava! Sempre gostei desse anonimato, dessa ignorância confortável do mundo à minha volta, sobretudo do humano: dele de mim, de mim dele.
Tinha chegado ali com a minha varinha de condão, e colorido um a um, os que ia conhecendo, com as cores que a minha alma desejava que tivessem!
Depois… depois outras estações foram chegando, e a luz dos verões incidindo e desbotando a quem pintei, e com o humano assim exposto, cinzento mas real, extinguiram-se não só as tintas da minha imaginação, mas os meus entusiasmos encantados que rodopiaram de novo, mais uma vez de novo, e se encaminharam para o“antes”de ter chegado ali. Por aqui, a realidade foi-me sempre menos sonhada, mais real. Eu sei que tudo continua como dantes… as chuvas chegam e diluem na mesma proporção, as cores e os cinzentos, e continuam a mostrar nas ruas molhadas o reflexo cintilante da cidade: a mesma que outrora, na minha juventude, descobri cintilando no rio, encantada… que desde lá não mais a tinha visto!
E tudo recomeça! O Alentejo, o Sonho, mas também o ninho real dos meus eternos regressos, que sempre encontro intacto… e lá, outros que não pintei, nem se me mostraram com cores que não tinham, e que me ficaram para nunca mais partir: um presente de Deus, talvez!
A cidade, com tanto para viver e descobrir!
É outono, e eu com tanto para agradecer à vida.
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de novembro)