“Escrevo. Com uma necessidade louca de parir. Sem epidural, ferros ou ventosas. O que de mim nasce, arrasta consigo as entranhas do que sou”.
(Daniel Vicente)
Tem momentos em que me revejo nas palavras de outros.
E invejo-os. Digo: gostava de ser assim.
Minto! É mais: gostava de escrever assim. Soltar assim.
E questiono-me.
Que procuramos na vida?
E esta é, sem dúvida, a questão principal.
Não tenho duvidas. Como não tenho duvidas na resposta:
– Todos, mas todos, procuramos a Felicidade.
E, aí…
Talvez tu Fernando, tenhas dito tudo:
“Se eu casasse com a filha da minha lavadeira talvez fosse feliz.”
E eu que tanto te invejo, sei que não foste feliz.
Se tivesses a noção do eterno que te tornaste, talvez fosses menos triste.
Mas, tu sabes Fernando, a tua lavadeira foi muito mais feliz que tu.
Por mais que olhasses para ela de cima para baixo…
Não gosto disso em ti, mas tento entender-te. Os teus tempos não foram os meus, por mais à frente que fosses em tanta coisa…
Um dia disseste: “O homem não sabe mais que os outros animais; sabe menos.
Eles sabem o que precisam saber. Nós não”
(in “Textos filosóficos”)
E está tudo dito, não é? Depois está tua lavadeira, quer tenha filhas ou não, e, semi-deus, estás tu.
E cresceste rodeado de gregos e romanos, e de ingleses (que também existem). E as lavadeiras e as filhas estavam ali. Como as flores e as tabacarias e as janelas.
E tu vias o que a lavadeira não via, sabias o que ela não precisava saber.
E dizias-a feliz. O que não conseguiste ser.
Pois eu Fernando, eu que tanto te admiro, que tanto me revejo no que soltas, também não consigo.
Sou feliz quando consigo rever-me numa flor ou num pardal.
Consigo rever-me num cinzeiro ou num cálice quando escrevo descontroladamente.
Mas…
Acredita, sei muito de ti. Sei que como eu tiveste de ser outro das 9:00 às 5:00. Rodeado de papéis e de mundo de “tem de ser”.
Sei…
Mas… esse mundo que largavas quando ias para o absinto ou para a janela onde vias o Esteves passar, é diferente do meu.
Já não há lavadeiras nem Salazares com Impérios por justificar.
As palavras que em ti nasciam, cresceriam hoje num mundo completamente diferente.
Há uma coisa chamada mundo global com facebooks e outros que tais.
Os filhos das lavadeiras (como eu) tiveram de te ler por obrigação (ainda bem).
E, sabes, a Felicidade continua a ser aquilo que nem Sartre, nem Marx, nem Buckowsky, encontraram. Nem tu. Nem eu…
E já não há lavadeiras com filhas.
Só os animais e as flores continuam ali. Por mais asfalto e estufas que se construam.
E eu…
Eu revejo-me tanto em ti…. Solto tanto de mim…
E a confeitaria continua ensinar mais que qualquer religião, por mais que Deus exista e os anjos também.
Perdi-me onde ia…
Viveste a primeira guerra a que chamaram Mundial.
Eu cresci com uma guerra a que chamavam “Fria”. Em que os senhores da guerra se digladiavam em terras que não eram suas com mortos que não eram seus.
E havia certos e errados como sempre.
Mas, Fernando sabes isso tão bem como eu, como em todas as guerras, só o homem perdeu.
E as nações não existem mais. Existe o dinheiro.
O homem que encontrarias nas ruas ou no campo, não existe mais. Não te revias nesse e muito menos neste.
Um homem que diz sonhar liberdade e constrói cada vez mais prisões.
As manhãs de nevoeiro são luzes Neon em shoppings ou discos.
Um homem que substitui o Messias ou Sebastião por uma coisa chamada cartão de crédito.
Pois é Fernando. Talvez as novas tecnologias te tivessem dado reconhecimento imediato. Mas… não acredito que gostasses.
Decerto não eras feliz.
Obrigado por teres estado aí.
(dentro de mim sei que ainda estás)
Um abraço.